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Medo x Covardia

Pela primeira vez falavam de amor.
A palavra surgiu despretensiosamente durante a conversa; causou algum desconforto pela surpresa de um e outro, mas sabiam, em seus íntimos, que cedo ou tarde ela surgiria, afinal, estavam envolvidos já havia quase quatro meses.
Ela estava radiante ao ponto de se permitir sonhar com noites em que não precisassem mais de se despedir, precedidas por manhãs em que acordassem juntos. Havia algum medo em seu coração, mas já era outro tipo de medo, não aquele, agora antigo, de se envolver. Estava mais para um tipo de tristeza antecipada, um “pré choro” caso aqueles sonhos não se confirmassem. Uma angustia ensaiada, uma depressão adivinhada, uma solidão intensa pré existente. E se ele jamais se decidir? E se ele jamais a assumisse como sua, como ela já se sentia?
Ele estava assustado. Acreditava no poder das palavras e agora era verdade, estavam “oficialmente” envolvidos com algo maior, algo que fugia ao controle racional, algo regido pela alma intangível, invisível, incorpórea mas ainda assim tão poderosa. Amor. Um poder absoluto sobre seu destino, sobre seus desejos, sobre suas ações. Se deu conta do quanto se sentia diferente, frágil e ainda assim melhor, melhor do que jamais soube ser, afinal, trazia dentro de si, pela primeira vez naqueles trinta e poucos anos, um sentimento realmente sincero, verdadeiro e transformador.
Continuaram ali, diante um do outro, os olhos fixos nos olhos do outro mas os pensamentos distantes até que dos olhos castanhos dela uma lagrima correu e o brilho lá existente até segundos antes deu lugar a uma sombra de desespero.
Ele empalideceu, conteve o nó na garganta mas o bolo no estomago só crescia. O que seria aquilo? Que fantasmas saltariam daqueles olhos que ele tanto amava para assombrá-lo pelo resto de sua vida?
Aquela única lágrima abriu caminho para outras, o choro convulso, a fuga. Correu dando as costas e no caminho só pensava em ir para o mais distante possível daquele que a faria sofrer. Não saberia lidar com a rejeição, não a dele, a quem tanto amava.
Ele ali, estático com mãos espalmadas, vazias. Olhos opacos, vazios. Boca semi aberta, respiração acelerada, surpresa e estupefação. Uma dor aguda e um esforço sobre humano para não cair de joelhos.
Ela se foi, ele ficou. Ela chorou, ele, nem isso conseguiu fazer, acovardou-se.

Aldo Masini

A travessia, fazê-la ou não?

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)

Ousar fazer a “travessia” para não ficar-se à margem de si mesmo.
Bonito demais, mas algo cruel também, especialmente para aqueles cujos corações não trazem a semente da coragem.
Um novo caminho repleto de novidades imaginadas (o que não as torna em absoluto inverdades) que se pode avistar após um vale ou lago, um obstáculo qualquer que exista se interpondo entre o agora e o depois, nos confinando "à margem de nós mesmos".
A covardia nos engana os olhos e o vale se torna um deserto sem fim, o lago um oceano tempestuoso, o obstáculo qualquer uma geleira intransponível e assim o novo caminho, aquilo em que deveríamos nos tornar, continua sendo a versão marginal e conformada de nós mesmos. Mas o conformar-se é desfigurar-se de tal forma violenta, ao ponto mesmo de tornar-se irreconhecível.


Aldo Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini