Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

Um dia qualquer

Há dias observava uma senhora que passava suas noites sob o toldo de um galpão fechado próximo à minha casa.

Toda manhã a via arrumar seu cabedal limitado a um cobertor, um galão de água, alguns papelões, uma sacola com algumas roupas em seu interior e uma vassoura.

Me comovia a forma como ela cuidava daquele lugar alheio em que durante a noite serviu-lhe de refugio tentando dar-lhe ares de lar.

Dobrava cuidadosamente o cobertor e os papelões, depositava-os a um cantinho abaixo do toldo juntamente com a sacola e o galão de água, varria com esmero todo o lugar e recolhia os lixos à caixa de lixo pública no outro lado da rua. Depois, penteava os cabelos, enfeitava-se com um modesto par de brincos e após dedicar-se a um demorado olhar preocupado direcionado à sua coleção surreal de pertences, ia-se solitária e decidida por seus caminhos.

A imagem dessa senhora partindo, se é que se pode dizê-lo assim, me fazia imaginar o que a ocupava durante as horas dos dias. Teria um trabalho fixo, alguma forma de alimentar-se, alguém com quem dividir as dificuldades, alguém em quem buscar companhia, alguém que se importasse ou ao menos a notasse?

E assim vinha sendo por pelo menos duas semanas. Eu passava, ensaiava dar-lhe bom dia, mas ela sempre desviava o olhar, até que numa manhã ela não estava mais em seu cantinho e apenas suas poucas coisas permaneciam.

Nos dias que seguiram, a mesma ausência, exceto por suas coisinhas arrumadas no mesmo cantinho em que as havia deixado, me fazia perguntar se a tal senhora havia resolvido sua vida de outra forma e, embora sentindo sua falta, me agradou imaginar que tivesse encontrado pouso mais seguro ou um lar de verdade.

Hoje, para minha surpresa, lá estava a senhora novamente cuidando de seus papelões, sua cama improvisada. Passei por ela e, antes que baixasse os olhos, sorri e lhe disse bom dia. Ela respondeu demonstrando surpresa e com algum acanhamento retribuiu ao sorriso.

Depois disso segui meu caminho mais feliz, afinal, hoje ela soube que é notada e também me notou. Hoje não fomos as sombras despercebidas que costumavamos ser; ela para quem passa e eu frente aos valores que aprendi.

A. Masini

Atenção com os sorrisos

- Você não sabe o que me aconteceu ontem.

- Bom, saber eu não sei, mas imagino. Acordou, escovou os dentes, tomou banho...

- Não tonto.

- Não? Porco.

- Cala a boca e me deixa contar.

- Ah tá, ai sim vou saber.

- Você é cheio de graça né?

- Faço o possível para alegrar.

- Então ouve. Parei para tomar um chopinho em um daqueles quiosques do shopping...

Interrompendo – chopinho no shopping? Que evolução hein querido?

- Me deixa contar porra?

- Ok, vai lá.

- Estava um fim de tarde muito quente e o quiosque estava lotado. Então me acomodei como pude em um cantinho do balcão...

Dessa vez gesticulando pedindo aparte, interrompeu – Isso está ficando pior que tratamento de canal Gabriel. Tem certeza que quer continuar?

- “Cazzo” Johnnie, dá para me deixar contar a história?

- Tá certo, continua a novela.

- Então, estava lá tomando meu chopinho calmamente quando uma morena lindíssima se aproximou.

- Ahã... lindíssima? No quiosque do shopping?

De cara fechada – É, era lindíssima sim.

- Ok, tudo bem, você é meu amigo e em amigo a gente tem de acreditar né?

- Palhaço. Retomando, ela me perguntou se podia pegar o banquinho que estava ao meu lado. Eu disse que sim, porque não iria utilizá-lo.

- Ela estava sozinha?

- Não, com mais duas.

- Ai não dá jogo.

- Pois é. Mas aí, uma moça do próprio quiosque, ainda mais bonita que a primeira morena, de dentro do balcão afastou meu copo para acomodar os cardápios. Então eu disse que sairia dali para não atrapalhá-la.

Fingindo bocejar – Falta muito para terminar? Acho que já está passando o efeito da anestesia.

Fingindo não ter se aborrecido com outra interrupção – Então ela abriu um sorriso lindo e disse “sair por que, me ter por perto é assim tão ruim?”, e eu respondi, claro que não, ao contrario.

Agora com alguma animação – Chamou a moça para te acompanhar?

- Chamei.

- Boa Anjo, agora sim a coisa tá melhorando.

- É, mas chamei em tom de brincadeira, tipo, pega um chopinho então e vem beber comigo.

Com cara de desanimo – Tom de brincadeira Gabriel? Vacilão.

- É, mas ai ela virou pra mim e disse “agora não posso, mas se você puder me esperar até meu expediente acabar, eu aceito o convite”.

- E você esperou né?

- Não, eu tinha um compromisso.

- Com outra moça espero.

- Não.

- Porra Anjo, marcava de voltar depois. Explicava a situação para menina e combinava de encontra-la mais tarde.

- Eu pensei nisso, mas achei que ela estava brincando sabe, tipo, querendo ser simpática.

- Maninho, e se estivesse, qual a diferença? Ela esclareceria, vocês ririam juntos e ficaria tudo bem.

- Então, na hora eu nem pensei nisso.

- No que você pensou?

- Sei lá, que se eu me propusesse a encontra-la mais tarde e ela não estivesse falando sério eu faria papel de bobo.

- Por que você acha que ela quis ser simpática com você?

- Porque o trabalho dela requer que seja.

- Você não está de todo errado, o trabalho dela realmente requer que seja simpática, mas com os clientes.

- E eu era o quê Johnnie?

- Veja, quando ela condicionou o aceite do seu convite ao término do expediente, deixou claro que não seria a funcionária e o cliente, mas apenas você e ela, livres da relação comercial.

- Então você acha que ela realmente se interessou por mim?

- Acho que sim.

- Porra Johnnie, sério?

- Maninho, você é uma cara legal, interessante, bonitão. Por que o espanto?

- Acho que tenho andado meio distraído. De verdade, não imaginei que ela pudesse estar me cantando.

- Gênio. Você é tão esperto para algumas coisas e para outras é um completo lesado.

Rindo – Se já te pareci lesado só por ter deixado a cantada da gata passar batido, nem vou te contar para onde fui quando saí de lá.

- Ah, mas vai mesmo. Qual foi o tal compromisso tão importante que te fez perder a morena sorridente?

- Tinha horário no dentista.

A. Masini

Retornando

Se a estrada é longa, vale mais ter paciência e presentear os olhos com as cores da paisagem, a acelerar e privar-se dos encantos do caminho.



Carinho é a melhor resposta

Já era tarde, provavelmente inicio da madrugada quando me levantei do sofá onde me encontrava adormecido. Não é comum sentir-me com sede durante a noite mas naquela, acho que em razão do vinho tomado pouco antes, acordei com a garganta seca e me vi forçado a ir até a cozinha antes de ir para a cama.

Me servi de um copo de água e como o sono me havia abandonado resolvi toma-la na varanda observando a rua.

Não sei exatamente que horas eram, mas tudo jazia quieto, até mesmo o som dos carros havia sumido. Tal silêncio me permitiu ouvir, na varanda abaixo, mãe e filha conversando sobre o rompimento do namoro da menina.

A principio não identifiquei com clareza o tema da conversa e o que realmente me chamou atenção foi o tom choroso da minha pequena vizinha. Entre um lamento e outro, que sua mãe com carinho típico tentava consolar, percebi que a dor da garotinha, embora de tenra idade, algo em torno de dez, onze anos, não era menor do que a dor sentida por alguém mais experiente vivendo a mesma situação. Possivelmente ao contrario, sua pureza de coração a fazia sentir-se, além de triste, diminuída, ferida em sua autoestima, traída em sua boa fé.

- Mãe, ele não quer mais me namorar. Isso dói tanto mãe.

- Querida, vocês são crianças ainda meu anjo. Você vai se apaixonar muitas outras vezes.

A mãe estava correta em sua afirmação, mas não me pareceu ter escolhido o melhor argumento para confortar a menina, afinal, como explicar para uma criança que nós adultos, do alto de nossa arrogância, imaginamos que suas dores deveriam ser menos sentidas porque outras dores ainda as acometerão ao longo de suas vidas?

- Mas mãe, ele não teve nem a consideração de vir falar comigo. Pediu a um amigo para me entregar um bilhete dizendo que queria terminar.

- Querida, isso não te diminui em nada meu bem.

Tinha razão novamente. A dignidade de uma pessoa não pode ser relativizada; não pode ser reduzida pela ação de outra pessoa. Mas, de novo, achei que seria inútil a colocação da mãe. A criança estava ressentida e não poderia elaborar racionalmente tal conceito; “argumentos racionais não atendem às necessidades emocionais”.

- Mãe, eu me sentia tão feliz na companhia dele. Como vai ser agora?

- Vai passar querida, você vai ter de ter paciência.

Como pedir a alguém cujo coração conheceu a alegria de compartilhar, a doçura de comungar, o encanto de devanear, para que tenha paciência? Como convencer tal coração, puro e branco, de que a felicidade provada e prematuramente abreviada deve ser entendida como sublimação?

Já sentia os olhos arderem por empatia com a angustia da menina quando ela própria apontou o caminho para uma solução, momentânea de fato, mas que nos permitiria a todos irmos para nossas camas.

- Mãe, me abraça?


A. Masini

Um jardim a quatro Mãos

Há algum tempo escrevi um texto sobre um sujeito que não conheci mas por cujo trabalho me encantei. O trabalho de ter plantado mais de vinte mil mudas de árvores em um local carente de verde.
 
Hoje, lendo o livro “A Flauta nos lábios de Deus”, um presente oferecido por amigos queridos, em uma das passagens desse precioso texto de Osho, me lembrei novamente desse senhor a quem chamei simplesmente por “o homem que plantava árvores”. No trecho à pág. 13 da referida obra Osho nos conta:
 
“Um velho jardineiro estava cavando no jardim quando chegou o padre.
- George – disse o padre –, é maravilhoso o que Deus e o homem podem fazer trabalhando juntos.
- Sim, senhor. Mas o senhor deveria ter visto este jardim o ano passado, quando Deus cuidava dele sozinho!". 
mil mudas mas sei que tornou-se um lugar único depois q
Ainda não conheci o jardim das vinte mil mudas, mas sei que tornou-se um lugar único depois que Deus e o "homem que plantava árvores", juntos, nele trabalharam.

Jantar com Maria Julia

- Alô.

- João Marcelo?
- Oi, sim, sou eu.

- Oi João, é a Rosana, sua vizinha do 41.
- Oi Rosana, boa noite. Tudo bem?

- Sim, tudo ótimo. Olha, desculpa te ligar assim a essa hora mas, preciso te pedir um favor.
- Claro. Que houve?

- Um cliente meu foi preso e vou precisar ir até a delegacia. Não tenho com quem deixar a Maria Julia. Você poderia, por favor, ficar com ela por uma ou duas horas?
- Bom, hã... claro, fico sim.

- Ah vizinho, que bom. Super agradecida. Ela gosta muito de você. Eu a deixaria com a Eliana do 71 mas ela não está.
- Hã, ok Rosana, tudo bem. Há algum problema se a gente comer uma pizza?

- Você e eu?
- Não. Hã, bom, ah... Na verdade eu estava me referindo à Maria Julia. Eu ainda não jantei sabe. Estava pensando em pedir pizza. Tudo bem para ela?

- Ah sim, claro. Digo, sem problemas. Ela vai adorar. Assim que eu voltar, passo por ai para pegá-la. Guarda um pedaço pra mim?
- Claro.

- Te agradeço demais João Marcelo. Você está me quebrando um galho enorme. Nem sei como te agradecer.
- Imagina Rosana, eu adoro a Maria Julia. Vai ser divertido. E, a propósito, me chama de Johnnie. Pode ser?

- Claro, acho bem mais simpático do que João Marcelo. Vou pedir para a Maria Julia descer. Um beijo, Johnnie.
- Um beijo Rosana.

...

- Alice. Vem pra cá. Por favor.
- Que houve Johnnie? Você parece assustado.

- Minha vizinha me pediu para tomar conta da filhinha dela e eu não sei o que faço.
- Qual a dificuldade de dizer isso pra ela?

- Eu já aceitei. É aquela menininha falante de que te falei. A que adota nomes de princesas.
- Aquela de que você é fã né?

- Isso. Essa mesma.
- Mas se ela é essa fofa que você diz, qual é o problema de tomar conta dela?

- Alice, ela é uma menininha e por mais que eu goste de crianças, não sei como lidar com a responsabilidade de tomar conta delas.
Rindo – Então você dá conta das adultas mas as pequenas te assustam?

- Não sacaneia Alice. É sério. Eu não sei como cuidar de uma garotinha de seis anos.
- Você não pensou nisso antes de dizer sim para a mãe dela.

- Me pegou de surpresa.
- Fala sério Johnnie, surpresa nada. Você está a fim da mãe e ajuda-la com a filha é uma ótima forma de se aproximar dela.

- Nada a ver Alice. A mulher é “workaholic” assumida. Uma advogada arrogante que está sempre falando ao celular. Sabe aquele tipo de pessoa que se acha dona da verdade? Ao contrario da filha, que é um encanto, a Rosana é uma chata.
- Acho que você está apaixonado.

- Você está louca Alice.
- Te conheço irmãozinho, você tem um fraco por esse tipo de mulher. Independente, poderosa, metida. Você adora uma chata – risos.

- Você pode até ter alguma razão, mas nesse caso é diferente. Faço pela princesinha.
- É, você realmente gosta dessa menina não é?

- Gosto sim, ela é divertida, inteligente, imaginativa. Uma criança que é criança entende? Ela sim é apaixonante.
- Sei. Apaixonante. Já ouviu dizer que o homem ama os filhos da mulher que ele ama?

- Alice, quer saber, não quero mais que venha.
A. Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini