Há dias observava uma senhora que passava suas noites sob o toldo de um galpão fechado próximo à minha casa.
Toda manhã a via arrumar seu cabedal limitado a um cobertor, um galão de água, alguns papelões, uma sacola com algumas roupas em seu interior e uma vassoura.
Me comovia a forma como ela cuidava daquele lugar alheio em que durante a noite serviu-lhe de refugio tentando dar-lhe ares de lar.
Dobrava cuidadosamente o cobertor e os papelões, depositava-os a um cantinho abaixo do toldo juntamente com a sacola e o galão de água, varria com esmero todo o lugar e recolhia os lixos à caixa de lixo pública no outro lado da rua. Depois, penteava os cabelos, enfeitava-se com um modesto par de brincos e após dedicar-se a um demorado olhar preocupado direcionado à sua coleção surreal de pertences, ia-se solitária e decidida por seus caminhos.
A imagem dessa senhora partindo, se é que se pode dizê-lo assim, me fazia imaginar o que a ocupava durante as horas dos dias. Teria um trabalho fixo, alguma forma de alimentar-se, alguém com quem dividir as dificuldades, alguém em quem buscar companhia, alguém que se importasse ou ao menos a notasse?
E assim vinha sendo por pelo menos duas semanas. Eu passava, ensaiava dar-lhe bom dia, mas ela sempre desviava o olhar, até que numa manhã ela não estava mais em seu cantinho e apenas suas poucas coisas permaneciam.
Nos dias que seguiram, a mesma ausência, exceto por suas coisinhas arrumadas no mesmo cantinho em que as havia deixado, me fazia perguntar se a tal senhora havia resolvido sua vida de outra forma e, embora sentindo sua falta, me agradou imaginar que tivesse encontrado pouso mais seguro ou um lar de verdade.
Hoje, para minha surpresa, lá estava a senhora novamente cuidando de seus papelões, sua cama improvisada. Passei por ela e, antes que baixasse os olhos, sorri e lhe disse bom dia. Ela respondeu demonstrando surpresa e com algum acanhamento retribuiu ao sorriso.
Depois disso segui meu caminho mais feliz, afinal, hoje ela soube que é notada e também me notou. Hoje não fomos as sombras despercebidas que costumavamos ser; ela para quem passa e eu frente aos valores que aprendi.
A. Masini