Naquela época as escolas eram menos providas de coisas, mas contavam com professores repletos de conteúdos. Dentre os meus estava a Dona Elenira.
Ela era jovem ainda, uns trinta anos no máximo, mas me ofereceu uma lição das mais significativas. Aliás, ao longo da minha vida, tive muita sorte com professores e professoras; sempre aprendi muito com os que encontrei, desde as lições acadêmicas àquelas que nos transformam em seres humanos melhorados.
Era uma tarde de verão ainda no começo do ano letivo. Nossa sala de aulas tinha o pé direito muito alto e a luz de fora era como fiapos por entre as frestas da cortina cor de areia que recobria as janelas. Fazíamos a leitura de um texto sobre borboletas quando uma menina de quem não lembro o nome, rompendo a quietude que nos envolvia, perguntou à professora alguma coisa sobre saudade.
Aquilo me trouxe de volta à sala de aulas. Me lembro de ter ficado alguma coisa irritado, primeiro porque sempre gostei do silêncio e depois, a aula era de ciências, o que tinha a ver fazer tal pergunta justo àquela hora? Melhor seria, talvez, que a chata da menina esperasse pela aula de português.
Dona Elenira, com aquele jeito carinhoso de boa professora que lhe era peculiar, ponderou por um instante e respondeu:
- Saudade é quando em pensamento ainda vemos claramente uma pessoa, conseguimos sentir o cheiro dos seus cabelos, ouvimos suas palavras e sorriso, mas já não podemos mais abraça-la.
Enquanto a menina da pergunta, com cara de quem não havia entendido a resposta sorria amarelo e voltava à leitura, permaneci observando Dona Elenira cuja lição não estava ainda concluída.
Ela suspirou, desviou o olhar para algum ponto em direção ao fundo da sala e como quem já tivesse partido de lá, vi a expressão de seu rosto ganhar ares de ausência.
Naqueles tempos em que ainda trazia coração e pensamentos de menino, não consegui entender o que os olhos da Dona Elenira procuravam enxergavar, mas por um bom tempo passei a conjecturar se a saudade não seria uma coisa etérea escondida n’algum lugar secreto entre os fiapos de luz da sala de aulas.
A. Masini