Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.
Cinco à mesa de inverno

- Ah, nada melhor que um bom vinho para aquecer
- Bem acompanhado né?
- Verdade, a companhia torna a ocasião mais prazerosa
- Mas... então, é  o vinho ou a companhia que aquece?
- A companhia.
- Nada a ver, é o vinho que faz o sangue correr diferente. É isso que aquece.
- Vocês são uns paus d’água. O que aquece é cobertor, moletom, edredom...
- Dããã... babacão, isso ai agasalha, estamos falando de aquecer.
- Micro ondas aquece.
- Cara, fica quieto e toma seu vinho. Micro ondas aquece bife, lasanha, estrogonofe...
- Tá com fome né bocão?
- Ai, vocês já perderam o foco. Estávamos falando de vinho e boa companhia.
- Não era bom vinho e companhia?
- Foda-se a literalidade.
- Pra mim tá implícito, só tomo bom vinho em boa companhia.
- Exceto a gente né?
- A gente o cacete, fale por você. Eu me considero ótima companhia.
- Todos nós somos boa companhia, especialmente se for para tomar vinho.
- Cerveja também né?
- É, cerveja também.
- E para um churrasco?
- Porra bocão, pede um X salada aí cara.
- Se fudê. Larga do meu pé porra.
- Passarinho, traz outra pizza aperitivo daquela querido?
- Retomando, o micro ondas, a bem da verdade...
- Bem da verdade o caralho. Pode parar com suas explicações seu nerd do cacete.
- Deixa o cara falar, eu curto aprender.
- Valeu.
- Aprendamos então sobre vinho porra. Li num livro...
- Ahhh, leu não vale. Quero aprender sobre vinho na prática.
- Então pratica aí, come essa azeitona e veja se harmoniza com esse cabernet.
- Harmoniza? Que viadagem é essa maninho?
- Harmoniza quer dizer combina entendeu?
- Tipo gravata azul com terno cinza?
- Se for carnaval fica perfeito.
- Você não é daltônico? Que entende de cor?
- Não identificar as cores não quer dizer que ele tenha mal gosto.
- Dá pra pedir outro vinho? Essa já era.
- Passarinho, vê a carta aí pra gente querido.
- Que carta doido?
- Puta que pariu, mas você é burro mesmo heim?
- Carta de vinhos anta.
- Ahhh, saquei.
- Fez um ace?
- Hã?
- Deixa pra lá.
- Posso falar do livro?
Uníssono – Nãããão.
- Vão se foder então.
Risos
- Olha a carta aí meninos
- Valeu Passarinho. O que vai ser?
- Por mim ficamos nesse mesmo, estava ótimo.
- Aprendeu isso no livro também?
- Não, com a gostosa da sua irmã.
- Bom, como a pizza é de mussa, acho legal um Malbec.
- Quê? Tá Louco?
- Eu gosto de Malbec
- Ah, eu provei e não curti não. Não gosto de perfume do Boticário.
- Que perfume ignorante? Estamos falando de vinho.
- Ahhh... Desculpa porra, eu não li o livro do nerd.
- Pede um Merlot vai. Merlozinho não dá erro.
- Pronto, falou o cheira rolha. Vai falar do “terroir” também?
- Deixa eu pedir?
- Tá, pede aí.
- Passarinho, querido, por favor, um merlozinho aqui pra gente?
- Olha só, não é que o antão tá aprendendo?
Passarinho: - Que rótulo prefere?
- Porra Passarinho, não me fode.
Risos abundantes.

A. Masini

O que realmente aquece, é a amizade, mas desde que estejamos todos bem agasalhados. Aqueça seu coração e ajude àqueles que estão lá fora.
Os longos caminhos se mostram e se desfazem à medida que os trilhamos
Os quilômetros fracionados em metros sucumbem diante de passos determinados
Ares e mares se tornam estradas para asas e velas que nos levam ao destino
E os fusos horários são menos do que ficção quando é o coração que aponta o rumo
Você está longe, mas se não me negar estender-me a mão, te alcanço, onde estiver, onde for, de onde chamar meu nome
Você só tem de se lembrar dele

A. Masini



Mais um abraço que me neguei

Depois de algum esforço, ou o que me pareceu até então como se esforço fosse, estacionei o carro em uma vaga relativamente apertada diante do mercado em meu bairro.
Fazia frio naquela tarde de domingo, silenciosa e alguma coisa húmida, de forma que as pessoas pareciam ter optado pelo recolhimento e aconchego de suas casas deixando as calçadas vazias de andantes e sons.
Respondendo a um comportamento automatizado desenvolvido em razão da pouca tranquilidade típica dos que vivem nas cidades violentas como a minha, cumpria o ritual de olhar para todos os lados antes de sair do veículo. Foi quando, do outro lado da rua, sentada no chão recostada em um muro, visualizei uma jovem senhora com uma menininha inquieta que brincava de sentar-se ora em seu colo, ora no chão e a cada “salto” que dava sobre as pernas daquela que julguei fosse sua mãe, sorria alto e graciosamente.
Me encolhi dentro do carro tentando me manter incógnito para continuar observando a pureza da brincadeira das duas. Digo das duas pois que a mãe também sorria serena a cada gargalhada da menininha. Foram esses sorrisos, de ambas, que mexeram tanto comigo.
Era nítida a condição de pobreza das duas que, embora bem agasalhadas, notava-se tratar de gente desvalida, gente carente de socorro e compaixão mas, que naquele momento destacado do tempo duro de suas vidas, dedicavam-se a sorrir juntas de forma amorosa e contagiante.
Não vejo muito bem à distância e entre mim e elas havia por volta de uns dez ou doze metros, isto é, metros suficientes para me impedir de ver com nitidez os traços do rosto da mãe, mas não o bastante para impedir de notar que entre um sorriso e outro seu semblante trazia uma sombra de tristeza que intuitivamente atribui a possíveis e naturais preocupações com o presente e futuro daquela menininha que a mãe olhava com tanta ternura.
Fiquei algum tempo refletindo sobre a pureza ingênua porém poderosa das brincadeiras da menina, que mesmo temporariamente, eram perfeitamente capazes de afastar o medo dos pensamentos de sua mãe.
Poderosa pureza que mesmo sob o frio daquela tarde as afastava da dureza de suas vidas, do desabrigo, da possível fome, da desvalia, da carência. Poderosa pureza que mais do que me comover me encheu os olhos de emoção e o coração do desejo de abraça-las; desejo que tive de sufocar, pois que na cidade onde vivo, manifestá-lo seria equivalente a assustá-las e privá-las de um momento de sonho, o que teria sido de uma crueldade absoluta por mais verdadeiro e carinhosos que fosse tal abraço. Considerando suas tantas privações acumuladas, tirar-lhes daquele momento de sonho fazendo-as olhar novamente apenas para o mundo real, seria como apagar também em mim a luz de toda aquela ingênua brincadeira entre mãe e filha. Noutras palavras, tive medo de que a violência da realidade fosse mais poderosa que a pureza e só me permiti abraçá-las em pensamento.
Nós das cidades violentas, quando presenteados com pueris belezas, nos recolhemos, temerosos que ficamos por maculá-las ou arranhá-las em sua delicadeza.


A. Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini