Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

Votos para a vida

Nessa época do ano, isto é, chegado seu final calendarizado, é costume recebermos e enviarmos para o ano vindouro votos de prosperidade, bem aventurança, felicidade etc. como se o tempo, em sentido amplo, obedecesse a fragmentações impostas por convenções sociais; como se a vida prática não fosse linear e sim cíclica.

Obviamente que me sinto agradecido aos amigos sinceros pelos desejos manifestados, especialmente àqueles que sei, o fazem de coração (nem vou aqui me estender às práticas puramente hipócritas, outra mania que acomete a muitos nesses dias) porém, contrario senso ao que me parece, não acredito que seja a mudança do calendário que vai favorecer a qualquer um de nós nas conquistas de nossos objetivos, na solução de nossos problemas ou no encontro com a tão desejada felicidade.

Tão pouco acredito que esse ou aquele ano tenha o poder de mudar o rumo de nossas vidas. Esse poder está em cada um de nós e o exercitamos em nossas escolhas e ações. É por meio destas que traçamos nosso caminhar. São elas que nos permitem alcançar o bem estar e evitar alguns infortúnios. Alguns, pois que de outros, infelizmente, nem mesmo nossas mais honoráveis ações podem nos livrar, como é o caso da perda de uma pessoa querida, seja em razão do inexorável final de sua jornada entre nós, seja por conta de uma escolha pessoal que a faça distanciar-se noutras buscas.
Dia desses, em uma mensagem de final de ano (de gosto absolutamente duvidoso na escolha das palavras) onde supostamente estaria guardada pretensa receita de bem viver, me deparei com a seguinte afirmação, “se o seu ano não foi dos melhores, lembre-se que os tombos nos fazem mais fortes”. Discordo. Não imagino como um infortúnio em si possa fortalecer alguém. Por outro lado, creio firmemente no amadurecimento decorrente da reflexão honesta que se proponha fazer a partir da adversidade ocorrida. Ante ao “tombo”, cada um tem a opção de agir para se erguer, ou não agir e permanecer caído. O revés em si, só pode ser, no muito, um ponto de partida; um catalizador para o aprimoramento pessoal resultante da forma como optamos por lidar com a "queda".
Ante tais conjecturas e considerando que a conscientização de que a responsabilidade pelos resultados de nossas ações é unicamente nossa (cabendo-nos sua integral assunção) se traduza em poder e não entrave, meus desejos – para sua vida toda e não apenas para 2013 – não poderiam ser outros que não os de que você seja absolutamente capaz de fazer as melhores escolhas e tenha sempre a coragem necessária para pô-las em prática.

Abraço fraterno
A. Masini

Sereia X Macarronada

- Ô João, você não vem nadar com a gente?
- Não, obrigado, vou pra casa, minha tia fez macarronada.
- Deixa de ser bobo, a macarronada vai estar lá quando você voltar.
- A represa também estará lá amanhã.
Em particular – Tem certeza? As meninas vão, inclusive a Selminha.
- É, eu sei. Só que ela vai por causa do Roberto. Prefiro ir pra casa. Não quero ter de vê-la se jogando pra ele.
- Poxa, achei que você gostasse mesmo era daquela menina da cidade que foi embora pra França.
- Espanha. Não, a Ester é só minha amiga.
- Bom, se você prefere assim. Tomara que a macarronada esteja muito boa.
- Tomara.
E com passos indecisos João Marcelo tomou o rumo de casa. Embora fosse maio fazia bastante calor naqueles dias, de forma que ia pelo caminho imaginando o quanto poderia ser divertido ir à represa, especialmente se o Roberto não fosse. Ou ainda melhor, se não fosse ele o dono do coração da Selminha.
Imaginou-se adentrando a água fresca, a sensação do primeiro mergulho, a quietude do campo àquela hora da tarde enquanto boiasse olhando o céu claro. Considerou a possibilidade de tocar a pele molhada de Selminha durante as brincadeiras e depois, quando se acomodassem na prainha para se secarem ao sol, ajuda-la a pentear os cabelos molhados. Ficaria bem perto dela de forma que pudesse observar as delicadas pintinhas de seu rosto e quando ela falasse com ele, sentir o cheiro de fruta que vinha de sua boca. Se fosse ele o menino dos sonhos dela, poderiam ficar de mãos dadas e quando fossem embora para suas casas, levariam tanta saudade que a noite demoraria a virar dia novamente. É, seria perfeito.
Quando ia chegando em casa notou que o Sr. Getúlio se encontrava sentado em sua cadeira de balanço no alpendre da casa vizinha.
- Boa tarde “Seu” Túlio.
- Boa tarde. Como vai menino?
- Tudo bem. E o senhor?
- Hoje, depois do frio ter indo embora, estou bem. Mas me preocupa esse calor fora de época. A natureza está toda bagunçada.
- É o progresso “Seu” Túlio.
- Você está bem mesmo menino? Hoje é sexta-feira e com esse calorão você veio direto da escola pra casa?
- Pois é.
- A represa secou?
- Não. Não foi isso não – sorriu amarelo.
- Que houve então?
- Posso me sentar aí um pouquinho com o senhor?
- Claro menino. Desde quando você precisa me pedir para entrar em minha casa?
- Sabe o que é “Seu” Túlio, é que tem uma menina.
- É, sempre tem menino. Ela é bonita?
- Não é tão bonita, mas pra mim ela é linda.
Sorriu – Como é isso menino?
- Então “Seu” Túlio, ela é baixinha e magrinha. Tem bastante cabelo. Tem a pele bem lisinha, mas é pintadinha com umas sardas perto do nariz arrebitado. Tem um rostinho bem miúdo. As mãos dela são pequenas com unhas curtinhas. Quando ela ri me dá vontade de rir também.
- Ela é engraçada?
- É. Um pouco. Mas não é isso que me faz rir. Eu não sei dizer o que é “Seu” Túlio, acho que eu fico feliz perto dela.
- E ela não foi para a represa?
- Foi. Mas tem um garoto. O Roberto. Ela gosta dele.
- Como você sabe que é dele que ela gosta?
- Pelo jeito que ela sorri pra ele. Eu queria que ela sorrisse daquele jeito pra mim. Só pra mim.
- Você sempre quer a amora do galho mais alto né menino?
- Amora?
- Você não lembra mais do tombo da amoreira?
- Me lembro do tombo mas, foi por causa de uma amora?
- Você dizia que era “a única amora que você via na árvore”.
- Verdade “Seu” Túlio. Me lembrei. A amora que eu tinha medo do morcego comer né?
- Essa mesma menino. Todo dia você inventava uma coisa diferente para proteger sua amora do morcego, do gambá, do sanhaço.
- É verdade “Seu” Túlio. Nossa, agora que o senhor comentou eu estou lembrando. Eu quis tanto aquela amora, e ela acabou caindo da minha mão.
- Ela da sua mão e você da árvore. Se machucou todo por causa da frutinha e uns dias depois a amoreira ficou toda carregada.
- Verdade. E tem sido assim todos os anos. Chega a perder.
- Então, agora corre pra represa. Quem sabe você não encontra por lá, não uma amora fujona, mas uma sereia de água doce.
- Vou nada “Seu” Túlio, vou é pegar a macarronada com frango da tia Lucia. Essa pelo menos é de verdade. Vamos?
- Agradeço menino, mas já almocei.
E, voltando do portão da casa do amigo por onde já saia apressado - “Seu” Túlio, obrigado.
- De quê menino?
- Por me ajudar a curar os machucados.













A. Masini

Beijo, uma versão particular

Com a proximidade dos rostos,
O hálito morno advindo da boca desejada, inalado, nos penetra o corpo, o percorre todo
Sentimos na pele o ofegar do outro e o curso do encontro já é inevitável
Prenunciando a entrega, um tremor de antecipação percorre todo músculo
Uma ansiedade com viés de angustia nos quase prende entre um instante e outro
O tempo faz pausa e o coração se perde em descompassos
Os lábios, com a alegria do peregrino que chegou à casa, enfim se encontram
Algumas vezes com uma delicadeza pueril, advinda talvez do desejo de retardar o momento,
Apenas se “beliscam” úmidos, ainda tímidos
Noutras, em entrega inconfessável, rendem-se aos apelos da urgência e o beijo é quase violência
Inebriante mas sublime indecência
Os corpos em frenesi se espremem um contra o outro;
Compartilhar das bocas comungando o prazer não lhes basta,
E como se não fossem mais corpos unos,
Mas meios corpos cuja completude está no corpo outro,
Buscam inconscientes amalgamar-se ao outro corpo
Dai em diante o universo, cúmplice da magia do momento, se abre em opções
E a consciência se entrega à emoção do instante por completo
Tudo isso é beijo, bocas, corpos, universo e almas,
O encontro mais íntimo e precioso entre dois
Mas, guiando os lábios na surreal jornada do encontro,
são antes os olhares, quem primeiro se beija.


















A. Masini

Reflexão de Natal

Penso que estejamos vivendo tempos em que a opulência tornou-se necessidade. Nada parece ser bastante.

Sofremos por protelar uma alegria que, vivendo assim, jamais experimentamos e como consequência vem essa espécie de “carência criada”, essa constante inquietação de “querer sempre mais”; quando nesse ponto, jazem vazios nossos corações. Vazio que fere a alma e envenena a essência; nos faz indiferentes às relações de amor verdadeiro, à família e até aos valores éticos, ética no sentido próprio, a “arte do bom”.

Vazio advindo do esquecimento, vez que nos esquecemos como é ser feliz com o simples, com o frugal, porque a moda, essa eterna sedutora, os distorceu aos nossos olhos, atribuiu-lhes sentido negativo e o simples, o frugal, deixaram de ser sublimes para se tornarem sinônimos de fracasso, de derrota.

Com isso tentamos, em desespero, suprir a “necessidade criada” de sermos reconhecidos nos bens que acumulamos, nas farras etílicas e gastronômicas a que nos entregamos, nos objetos desnecessários que possuímos, no numero de romances de uma noite a que nos lançamos.

Por termos esquecido quem somos em essência, desaprendemos a reconhecer a essência do outro e até mesmo a olhar-lhe nos olhos; esquecemos como é reconhecer e sentir através da empatia. Já não ousamos sequer tentar vestir a pele do próximo para experimentar seus incômodos, seus medos, suas necessidades. Distanciamo-nos do próximo. Centramos nossa atenção cada vez mais em nossos próprios umbigos nos esforçando para adorná-los com “piercings” de diamantes onde possamos anestesiar, por hipnose, as buscas inconscientes dos nossos olhos.

Assim, a essência do Natal dilui-se em espumantes caros e qualquer culpa inconveniente que fortuitamente nos reste é prontamente sufocada com farofa e pernil. Com taças de cristal fino brindamos sofismáticos o espirito do Natal que há muito apenas nossas palavras praticam, e embora seja apenas o líquido nelas borbulhante que eventualmente traga o nome dessa ou daquela “viúva”, a orfandade já atingiu a todos nós.

A. Masini

O amor da coragem que os poetas desconhecem

Seus olhos, de um azul delicado porém opaco, jaziam fixos no teto marcado com manchas de infiltração. Miravam um ponto invisível como que perdidos n’alguma memória ainda retida mas só por ela perceptível. A sala onde se encontrava confinava uma atmosfera pesada cheirando a clausura e, afora o barulho dos restos de água da chuva gotejando na calha de lata lá fora, tudo o mais era silêncio.

Seu semblante era sereno e resignado apesar do evidente cansaço que denotava e a boca entreaberta, pálida como toda sua pele frágil, lhe conferia a aparência de quem precisa de socorro mas já não dispõe de forças, voz ou até mesmo desejo para pedir.

Ficamos ali observando aquela senhora debilitada e silenciosa enquanto esperávamos pela chegada do meu tio, seu marido. Nos entreolhávamos aturdidos vendo no olhar um do outro o quanto cada um de nós se encontrava surpreso com sua situação.

Sai da casa controlando meu desejo de correr, me esforçando para compreender que não havia como fugir da impotência que me tomava conta. Parei na calçada e voltando meu olhar ao sobrado pude observar que tudo o mais havia perdido importância para seus moradores. O carro quebrado abandonado na garagem indicando há muito tempo não ser usado; o jardim tomado por matos, os beiras dos telhados apodrecidos, a veneziana da janela sem fecho que batia contra a parede ao sabor do vento, a ferrugem abundante no gradil do portão de ferro bem como na corrente que o prendia, as pinturas das paredes, onde ainda haviam, maculadas das manchas características de humidade.

Tentava desviar os pensamentos tristes observando um cachorrinho que me olhava da laje na casa vizinha quando alguém me chamou à atenção para meu tio, que trazendo com esforço duas pesadas sacolas, vinha chegando. Fui ao seu encontro, o abracei, trocamos um beijo, tomei as sacolas de suas mãos e sorrindo pela alegria do reencontro caminhamos juntos até sua casa onde os outros o aguardavam.

Ele cumprimentou a todos com carinho e alegria e depois, com calma, voltou-se para sua mulher acamada. Fez-lhe um carinho nos cabelos brancos, já ralos mas muito bem penteados, sorriu-lhe e perguntou como se sentia. Ela retribuiu olhando-o nos olhos, ofereceu-lhe um sorriso puro como o de uma criança e por todo o tempo que durou aquele momento a vida se instalou novamente em minha tia.

Ele a abraçou com paixão, mas com a delicadeza de um ourives, beijou-lhe o rosto e a testa, voltou-se para nós e nos convidou a irmos à sua cozinha para um copo d’água, já que o calor era forte.

No caminho até lá, passando por outros cômodos da casa, pude notar o mesmo descaso, isto é, as coisas abandonadas nos cantos, livros empoeirados sobre a estante, vasos com plantas e terra secas. Tudo era abandono e esquecimento.

Já na cozinha meu tio nos contou que há oito meses se dedicava quase que unicamente aos cuidados com minha tia. Seu tempo era dividido com as roupas que necessitavam ser lavadas e passadas, a feitura dos alimentos, os horários dos remédios e os tantos cuidados de quê dependia sua mulher. Contou-nos das dificuldades em cuidá-la vez que ele mesmo já não contava com a saúde de antes; havia completado setenta e um anos há alguns dias.

Sobrou-lhe porém, naquele dia, algum tempo para as lembranças da mocidade e foi com o coração cheio de gratidão que me entreguei aos sorrisos com ele e seus irmãos ali presentes.

Antes de partirmos, uma de suas irmãs perguntou ou meu tio sobre sua fé. Ele respondeu que orava todos os dias pelo conforto de sua mulher e para receber forças a fim de continuar lhe cuidando. Ato continuo, de um dos poucos lugares na estante em que o pó não fez morada, pegou o álbum de fotografias de seu casamento e nos convidou a folheá-lo com ele as páginas que havia marcado com um papel amarelo. Em todas elas se encontravam fotografias onde apenas eles dois apareciam, sempre sorridentes e carinhosos um com o outro; naquele momento pude ver a coragem e a força pulsar revigoradas nos olhos do meu tio.

O amor quando não é lindo, é santificado.

A. (de Abreu) Masini

Olhar domesticado

- Você é impressionante. Não tem jeito mesmo né João Marcelo?
- Que foi lindona?
- Não pode ouvir um “tóc-tóc” de saltos altos que já se vira para procurar.
- Desculpa Cris, é automático.
- Cara de pau.
- Cara atento querida. De instintos aguçados. Não sou escoteiro mas estou “sempre alerta” – risos.
- Você não presta isso sim.
- Não presto pra quê gostosura?
- Seu cínico.
Sorrindo – você sabe que cínico vem do grego e quer dizer cachorro?
- É a sua cara. Um cachorro vira-latas
- Sendo eu então um cachorro, você não deveria se preocupar, não há animal mais fiel. Só precisa me dar carinho.
- Os domesticados pode até ser.
- Ser vira-latas é parte da minha natureza, minha Cocker
- Cocker?
- Spaniel.
- Hã?
- É, tipo a Dama e o Vagabundo da Disney. Lembra?
- Safado, você distorce tudo.
- Considerando nossas noites, penso que ser safado também é da minha natureza – ainda rindo.
- Deixa de ser cafajeste João Marcelo.
- Adoro quando você me chama de cafajeste; me excita sabia?
- Eu devia era te dar um soco na cara, seu cretino.
- Huumm... só de imaginar essa mãozinha delicada me socando chego a arrepiar. Para com isso ou vou querer ir embora já desse shopping.
- Ainda vou te domesticar João Marcelo.
- Se me domesticar querida, logo perderá o interesse por mim.
- Preciso domar nem que seja só o seu olhar.
- Você sabe que me mudar, mudaria o cara por quem se apaixonou. O que te encanta em mim deixaria de existir.
- Eu estou falando sério. Você não me leva a sério né?
Mudando o tom – Levo sim Cris.
- A gente tá junto não tá?
- Claro que sim. Não é a sua mão que estou segurando? Não foi na sua cama que amanheci?
- Hoje né?
- Meu anjo, que insegurança boba é essa agora?
- Você me deixa assim. Não pode ver uma perua peituda de saltos altos jogando os cabelos que fica todo assanhado.
- Minha linda, essa é você.
- Não sou perua.
- Mas tem seios lindos, e seus cabelos, especialmente quando despenteados, são uma festa para os meus olhos.
- Festa para os seus olhos é um par de pernas.
- As suas são perfeitas; minha festa particular quando envolvem minha cintura.
- Você olha pra tudo que é mulher.
- Pode ser, mas só você eu olho nos olhos.
- Você ainda me acha atraente?
- Você é um encanto de menina.
- Menina?
- Um encanto de menina e um tesão de mulher.
- Você é um filho da puta de fala mansa.
- Boca suja. Isso também me enlouquece em você.
- Você vai me deixar não vai?
- Um dia, pode ser; como pode ser que você me deixe. Além do mais, não somos eternos, um dia a gente morre e deixa tudo.
- Se for pra me deixar eu prefiro que você morra.
- Mas se a gente permanecer, vou mesmo preferir morrer primeiro. Seria muito solitário ficar por aqui sem você.
- Ah Johnnie! Você diz mentiras lindas. Me leva embora desse shopping agora. Me deu uma vontade filha da puta de te meter a mão na cara; seu cafajeste.

A. Masini

Correspondência

Oi Teté

Fiquei feliz com sua carta.

Todo dia leio um pouquinho dela outra vez e mesmo lembrando tudinho que já tinha lido ontem, fico alegre de novo.

Gostei das coisas que me contou e fiquei imaginando cada uma delas. O passeio no zoológico com a escola, a festa de aniversário da sua prima, o carro novo do seu pai, o almoço no restaurante chique. O que é um risoto?

Mas de tudo que contou, o que mais gostei, foi da sua letra. Tão redondinha, tão caprichada. A vó falou para eu tentar fazer assim também, mas não consigo.

Aqui é sempre muito quente mas a tia me faz por roupa e sapato todo dia mesmo se não for dia de escola. Ela disse que já estou mocinho para andar de cueca, mas eu só tenho 8 anos Té, não é justo.

Sabe, as coisas por aqui andam meio tristes. A vó continua doente e a tia Lucia está muito preocupada. Às vezes eu escuto ela chorando e fico com medo da vó morrer.

Semana passada eu cai da amoreira e o Seu Túlio veio me ajudar. Ralei tudo, bati a cabeça e fiz um corte no peito que saiu muito sangue mas já tô bom. A vó cuidou de mim. Eu queria poder cuidar dela também, mas não sei como.

Um dia apareceu uma casa de vespa no pé de limão lá do quintal, aí a tia Lucia pediu para o Seu Túlio tirar porque ela tem medo da picada da vespa. Então eu ofereci para ajudar e a tia disse que não, que eu não sabia fazer aquele serviço. Então, enquanto o Seu Túlio fazia uma tocha pra por fogo na casinha das vespas, eu peguei uma chiringa de carnaval, enchi de álcool e espirrei na casa das vespas. Deixei o álcool escorrer pelo tronco do limoeiro e pus fogo. Puts, fez um fogaréu e o Seu Túlio veio correndo apagar.

Foi engraçado, mas a tia ficou muito, muito brava comigo, disse que eu podia ter me machucado. Ela acha que eu não sou esperto. Daí a vó falou com ela e ela acalmou, me deu um abraço apertado e um monte de beijo. Não entendi nada mas foi gostoso.

Sabe, acho que vou fazer um canteiro de flores para a tia Lucia. O Seu Túlio tem semente de abóbora. Eu vou pedir para ele me dar algumas e faço um jardim. Você já viu a flor da abóbora? É amarela e muito bonita, quando eu for de novo aí para São Paulo eu levo uma pra você. E depois, quando nascer as abóboras, a vó faz doce. Eu levo pra você também, se sobrar.

Eu queria escrever mais, mas eu já fiquei com a mão cansada, o que é uma pena, porque eu queria te contar do ninho que a coruja fez lá no terreiro, da lagarta colorida que eu achei na horta e a vó disse para não matar porque ela vai virar borboleta, do cachorrinho de três patas que eu ví quando voltava da escola, de uma noite que a lua ficou tão grande, tão grande, que deu vontade de chorar, mas eu não chorei.

Tchau Té, até a próxima carta.

João Marcelo

A. Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini