Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

dos versos que gritam

“Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol
 Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
 Você só pensa no espaço, eu exigi duração
 Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea

 Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
 Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
 Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
 Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho...”
(Catavento e Girassol - Aldir Blanc / Guinga)

De quê nos servem os versos cujas palavras estancam já no raso do olhar?
Quero o poema que me diga mais
Que me arranhe a pele e exponha a carne
Que esprema as lágrimas e lave a alma
Que junto ao espasmo do lábio ponha na boca um gosto de desespero
Que resgate aquela saudade lembrada apenas nos olhos
E sem se transformar em visão completa,
antes e apenas uma capa d'água que teimosa não escorre,
fica,
porque também não tem para onde ir.

A. Masini

Confete

Vestiu-se com a pureza de sempre, camisa branca engomada, calças pretas pregueadas, sapatos já batidos porém muito bem cuidados.

Os cabelos bem aparados penteados com discrição, somados àquele olhar meigo, eram como um atestado de bom moço.

Tomou atenção a todos os detalhes, o roteiro para aquele tão esperado fim de tarde, o passeio de mãos dadas pelo parque onde as flores pareciam atender a um chamado prematuro da primavera, a escolha do restaurante para o jantar onde eram servidos os pratos ele sabia ela gostava, o filme romântico na sala de cinema, o café, e até o senhor do realejo com quem fez amizade esperançoso que na manhã seguinte seu periquito sorteasse um recadinho que o favorecesse.

Assobiando em silêncio a canção “Carinhoso”, contava os minutos no relógio herdado do pai esforçando-se para que seu olhar, como que por mágica ou misericórdia, fizesse-lhe os ponteiros andar mais depressa atendendo à urgência de seu coração.

Aquele dia seria o primeiro dia de uma semana especial, sua flor rara, sua amada em segredo voltaria de sua viagem e depois de tanto tempo ele poderia novamente se encantar com seus sorrisos e a ela se declarar.

Súbito toca o telefone na mesa do chefe.

- Pierrô, é para você, seja rápido.

Assustou-se com a novidade. Nunca ligavam para ele. Com desconforto caminhou até a mesa do outro lado da pequena sala; atendeu apreensivo.

- Pois não.

- Querido, sou eu, Colombina - de pronto o desconforto deu lugar a uma breve alegria – não poderei ir ao seu encontro como combinado.

Não sabia o que dizer, perguntar-lhe os motivos não a faria vir, logo sabe-los não importava, mas, automático, questionou-a.

- Que houve?

- Não posso.

- Pode amanhã?

- Não. Nem depois, nem nunca mais. – Desligou.

Voltou para sua mesa calado na voz e mudo na alma. Colombina era sua vida, sua força, sua fé.

Sabia de cor faltarem ainda duas horas e doze minutos para o fim do expediente e a ansiedade por partir que antes decorria de euforia, multiplicava-se agora, mas em razão de desespero.

Olhou para seus papeis sem saber o que eram, olhou ao redor e teve a mesma sensação. Não suportou, levantou-se e partiu de lá como quem corre para salvar a própria vida.

Entrou no Bar do Geraldinho, sabia-lhe o nome de ouvir falar, não era dado a bares.

- Por favor amigo, me sirva um conhaque.

As palavras da moça ainda ecoavam em seus ouvidos comprimindo suas têmporas, “nem depois, nem nunca mais”.

Deixou na mesa um dinheiro que imaginava pagasse pela bebida que não bebeu e foi-se também de lá.

Passou pelas flores do parque como se fossem desprovidas do colorido que o fez pô-las em seu roteiro e praguejou contra a luz do sol que o fazia notar com mais nitidez a ardência em seu olhar.

Foi quando se deu conta de que não adiantava correr ou tentar se ocultar, aquelas palavras ditas de forma quase rude, permeadas de frieza insensível, “nem depois, nem nunca mais”, já faziam parte dele, as ouviria onde quer que fosse; no bar, na igreja, no circo, no deserto. Seu quarto, sua mesa de trabalho, todos os seus silêncios haveriam de ecoar a outrora doce voz de Colombina, “nem depois, nem nunca mais”.

- Pierrô? Pierrô?

- Quem é? Quem me chama? Como se fez ouvir se em meus ouvidos só ecoam as palavras dela?

- Pierrô...

- Não tenho nada a dizer, em minha boca só há agora seu nome, como uma prece derradeira.

- Pierrô, é sexta de Carnaval querido... Esquece o branco e preto e o preto no branco. Coloquemos nossa roupa colorida.

- E a dor?

- Substituímos por música.

- E meu pranto?

- Transformamos em sorriso.

- E meu medo?

- Fazemos dele passo de dança.

- E eu mesmo?

- Sejamos o mesmo, porém diferente.

- Entendi. – Sorriu.

E foi assim que Pierrô, aquele que “por causa de uma Colombina acabou chorando”, desfez o trato com o conformismo, voltou-se ao colorido da vida. Hoje é Arlequim.


A. Masini

Ruben Braga

Fui hoje apresentado ao senhor Ruben Braga. Infelizmente já morto desde dezembro de 1990; mas, lendo alguns de seus tantos e lindos textos, sinto que seria ótimo tomar com ele uma pinga nalgum boteco.

Me dirão os que me conhecem, “pinga?”. Sim, pinga sim, porque a forma única com que o senhor Ruben Braga escreveu é de uma beleza tão sublime que jamais estará ao meu alcance e só mesmo estando ébrio para ocultar minha vergonha e anestesiar minha inveja.

Tim-tim "Rubão", um brinde à sua genial beleza literária.


Despedida

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.
Rubem Braga

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini