Ante toda aquela urgência denotada nos olhinhos redondos e chorosos, fechou o pai seu livro e foi acudir sua menina.
A pequena ofegava, os cabelos loiros despenteados que tentava aflita tirar da frente dos olhos com suas mãozinhas miúdas, os pezinhos descalços sujos de terra... Como era linda sua menina pensou o pai olhando-a com ternura. Não pode conter o sorriso ao imaginar como reagiria a mãe se a visse daquele jeito.
- Papai, é sério, ele está muito machucado, vem logo.
- Sim querida, vamos ver o tal cachorro.
- Por favor papai, o senhor é médico, cuida dele.
- Médico filha, não veterinário. Mas, vamos ver o que se pode fazer.
Ao ver o animal preocupou-se. Era um cachorro de alguma idade que parecia ter sido atropelado.Olhou para a filha que fixamente mirava o animal.
- Por favor papai, faz alguma coisa.
Não havia muito a fazer. Era domingo e naquela cidade os poucos veterinários dedicavam-se mais a animais de grande porte como cavalos e vacas. Só conseguiria algum atendimento na manhã seguinte.
- Vamos fazer o seguinte querida, levamos ele para a garagem, arrumamos uma caixa com alguns panos para que não sinta frio e amanhã o levaremos ao veterinário. A menininha segurando o choro concorda e corre para preparar a cama do cachorro. O pai pega o animal com delicadeza e o leva.
Depois de negociar com a menina sobre almofadas de linho, toalhas de banho e panos de prato quais seriam as melhores opções, finalmente instalam o pobre vira latas na garagem.
- Papai, posso ficar com “Pelegrino” pra mim?
- “Pelegrino”?- É o nome dele.
- E de onde veio esse nome querida?
- De um filme que assisti, o “Pelegrino” da Alvorada.
- E se o “Pelegrino” já tiver dono?
- Não tem pai, eu sei. Ele fugiu porque não davam água limpa pra ele, nem comida boa.
- E como você sabe disso querida?- O senhor não viu como ele está magrinho e com cara de fome?
Percebendo a seriedade na entonação da pequena, reteve o riso tentando imaginar de onde ela concluía tais coisas e novamente suspirou encantado com sua menininha. Ela sempre o surpreendia.
- Ok, uma coisa de cada vez, primeiro o levamos ao veterinário e se ele for realmente um cachorro abandonado você pode ficar com ele.
- O que é abandonado papai?
- É um cachorro que os donos não quiseram mais e o deixaram na rua.
- E por que os donos deixam de querer seus cachorros?
- Não sei te responder isso filhinha. Cada pessoa tem seus motivos.
- Mas isso é maldade com os cachorros.
- Nem sempre filha, acho que as pessoas nem se dão conta do que pode acontecer com o bicho. Por isso querida, pense bem, se ficar com o “Pelegrino” ele vai se tornar seu amigo, vai confiar que você sempre estará presente, você será a pessoa mais importante para ele.
- E eu serei a melhor amiga dele pai, não vou deixar ele sem água limpa e comida boa.
- Querida, não se esqueça, os cachorros fazem coco, você não vai ficar com nojo?
- Ah, eu ensino ele a fazer coco no jardim e depois dou banho nele.
O pai então sentiu que a filhinha se afeiçoara de verdade ao bichinho. Seria bom para ela começar a exercitar a responsabilidade.
- Não é só isso filha, os cães precisam de carinho, de atenção.
- Eu dou carinho e atenção pai. E vamos brincar juntos e correr muito no quintal todo.
- Querida, veja, esse cachorrinho está machucado e já tem alguma idade, deve demorar um tempo para sarar e, mesmo depois disso, talvez não possa te acompanhar em algumas brincadeiras. Você acha que vale a pena ficar com ele assim mesmo?
- Claro que vale pai. Ele é meu amigo e já gosta muito de mim. Se ele não puder correr rápido, a gente corre andando.