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Vergar ou resistir?

A árvore jovem, flexível, provida de uma espécie de sabedoria pueril natural, se deixa vergar pela ventania. Suas fibras maleáveis a permitem voltar à postura altiva de antes quando os ventos que a castigam se vão. Já a árvore madura, de caule duro, inflexível, não cede aos ventos e os tenta suportar o açoite, não por coragem, mas porque já não pode mais vergar-se, está velha demais para isso. Maioria das vezes, mesmo contabilizando a perda de alguns galhos e folhas, suporta aos ventos sem maiores prejuízos. Mas, quando o vento é constante, o castigo recorrente, suas raízes se fragilizam, o tronco fibroso perde sustentação a árvore toda cede, vai ao chão, sucumbe aos caprichos do vendaval, tomba derrotada.

Leu novamente o mesmo trecho da crônica. Ponderou sobre cada uma das árvores. As imaginou, vergada e tombada cada qual à seu tempo e, como supostamente era da intenção do cronista, refletiu sobre sua própria idade e flexibilidade.
Largou o jornal e o copo com café sobre a mesa de madeira e saiu para o quintal. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo quando pisou descalço o ladrilho frio do lado de fora da casa.

Já era final de primavera mas, atipicamente, o frio continuava como se o inverno insistisse em perdurar até dezembro, o que oferecia ainda mais desconforto aos seus pensamentos.

Súbito, sentiu um inédito vazio opressivo no plexo solar. Havia se tornado a árvore madura; sobre os ombros, o peso de uma cangalha invisível fazia a vez da ventania e os joelhos cansados, prestes a dobrar, as raízes fragilizadas.

Voltou instintivamente o olhar para o céu que se apresentava lindo, azul e profundo; e talvez por isso mesmo fez-lhe os olhos marejarem.

Teria a vida o pressionado além de suas forças? Afligia-o pensar se desejava mesmo conhecer a resposta e o medo de um sim fazia latejar sua garganta.

Lembrou-se dos tempos de menino quando desconhecia medos, especialmente do vento, parceiro tão esperado nos meses de agosto quando as pipas coloriam o céu.

Seus ventos de hoje eram de outra ordem;  não erguiam pipas mas derrubavam ânimos, maculavam sonhos, arrefeciam desejos. Não se manifestavam em rajadas, mas por imposições, obrigações, convenções.

Não era exatamente o caso de ter se tornado um velho inflexível mas de ter aprendido a rigidez dos compromissos e responsabilidades; a tal cangalha invisível.

Voltou o olhar molhado aos pés gelados e concluindo que uma gripe só faria piorar seu estado geral, rumou para o interior da casa. Fechou a porta e as janelas, dobrou o jornal e acomodou-se aquecido no sofá macio.

Era dia de folga, melhor descansar a pensar. Amanhã haveria de erguer-se para mais um dia e, estar descansado certamente permitiria, não exatamente resistir impávido aos ventos, mas escolher quando, estrategicamente, vergar-se para não tombar.

No fundo e no raso o que nos faz sucumbir é o cansaço, cansaço em sentido amplo.

A. Masini
Sinto, observo, sigo

Manhã de quinta-feira. O céu é azul e há um sol sereno clareando o mundo quando chego à rua.
O senso comum me faz concluir, objetivamente, que o dia está lindo. Mas, subjetivamente, o que pensar, melhor, o que sentir desse dia?
Há  uma certa apatia modorrenta pairando no ar.
Percebo.
O sol me toca morno a pele e me agrada. Me agrada também o som da passarinhada empoleirada nas árvores, árvores que também cantam com o vento que há.
Observo.
O passeio foi forrado de folhas caídas das árvores onde florescem orquídeas lá postas por mãos que não conheço.
Sigo.
Alguns carros passam rápido levando pessoas solitárias, apressadas por chegar cada qual ao seu destino. Um outro estaciona, do interior desce um menininho fantasiado de super-homem fazendo pose de herói, mas quando tentar correr para dentro da escola, a mãe de um grito mostra quem manda.
No radinho de pilha do porteiro toca “Namoradinha de um amigo meu”, que embora jovem para saber o que é isso, ouve a música com olhar distante sugerindo compreender do que ela fala. Ou talvez fosse apenas ressaca, como a minha.
Uma senhorinha idosa com ar sofrido jaz sentada na calçada observando o mesmo mundo com seus próprios olhos por traz de óculos velhos. Parece solitária, de uma solidão nascida há muito, mas que o mesmo tempo que lhe marcou o rosto, também conformou.
Pisado na calçada, quase irreconhecível, o filhote de passarinho caído d’algum ninho; morto, não ouve o canto dos parentes de melhor sorte como também não conhecerá o vento, sustentáculo de suas asas jamais abertas.
Na padaria a moça bonita de pernas à mostra, alheia ao resto do mundo, digita frenética seu gadget enquanto seu café certamente esfria. Não vejo seus olhos, estão ocultos por óculos escuros, mas sua boca, de lábios constritos, indica alguma aflição.
Um casal discute baixinho. Ele dedo em riste, ela, olhos molhados. O pão meio comido à mesa indica outro pedaço, possivelmente entalando a garganta da moça chorosa.
Passa por mim uma princesa com espirito de corredora. A mãe corre atrás. Os heróis são menos charmosos, mas muito mais divertidos; mais necessários até, nesses tempos de vilões cujas máscaras não ocultam o rosto, mas o mau caráter.
Pobres princesinhas, pobres crianças, pobres senhorinhas sofridas de rostos marcado pelo tempo.
Sigo.
Um avião ruidoso me faz olhar para o céu, há agora algumas nuvens esgarçadas como roupa velha, puída. Não indicam chuva, apenas enfeitam o azul com fiapos brancos.
Agora são duas as senhorinhas sentadas na calçada. Não falam entre si, apenas olham ao redor como que esperando que a vida lhes sorria. Uma delas me nota, nota também meu olhar e em lugar do sorriso que imaginei carecia, o oferece com dentes gastos, mas é honesto e carinhoso. Antes ainda é caridoso, sensível ao olhar que trago, agora baixo, envergonhado.
Sigo.
O sol morno continua a me agradar, assim como os sons das folhas e pássaros.
Trago ainda a mesma sensação de apatia, mas agora identificada, não pairante, mas subjetiva.
Todavia, mais do que o saco de pães, carrego também um sorriso caridoso de presente.
O dia está subjetivamente lindo.

A. Masini
Ela fez do circo morada do seu amor no mesmo instante que seus olhos, ainda sorridentes, além da maquiagem, revelaram o menino que dava vida ao palhaço.



 
 
 
 
 
 
 
O amor pelas coisas é antes o amor por alguém. O ente é a referência primeira do ser.

A. Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini