Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

Um Natal que resgate a simplicidade

Quando adentrou à máquina para seguir vigem interior adentro, antes de acionar o imenso motor, ponderou sobre os quatorze anos passados naquele trabalho. Tantas paisagens, tantos lugares e situações, tantas estações ferroviárias solitárias, tantas saudades de tantas pessoas.

Hoje, dia de seu aniversário de 38 anos, pensou também nos tantos aniversários passados distantes de casa e, naquela ainda madrugada fria de inverno constatou, ato contínuo, que nada lhe fazia mais falta que o despertar em sua casa modesta com o chamamento carinhoso de sua mãe.

Ao contrário dos primeiros anos quando se ressentia da ausência dos amigos, das ocasiões festivas e namoradas, naqueles últimos anos parecia ter aprendido a ser feliz através do olhar e se comprazia com as paisagens mais diversas. Às vezes uma exuberante mata quase intocada, noutras um campo arado pronto para o plantio. Ocasionalmente uma estrada empoeirada onde um menino caminhava com seu vira-latas ou uma formação de nuvens com aparência de fiapos coloridos pelo pôr do sol. Naquelas oportunidades sentia saudades do mar que há tanto tempo também não via.

Não era porém da mesma qualidade e intensidade com que sentia saudades do som da voz da mãe, do carinho de seu abraço, do cheiro de seu café que preenchia toda a casa ainda antes de seu despertar.

Pois é, já havia tempo demais longe de casa dedicando-se apenas àquele trabalho com o qual tinha aprendido a ser feliz olhando janela afora e, focando-se nas alegrias de suas tarefas, ligou o motor sentindo a vibração do trem despertar.

Aguardou, atento aos mostradores e demais detalhes, o tempo necessário para pôr a composição em marcha e, assim que partiu deixando atrás de si outra estação rumo a novas paisagens pelas quais, solitário, levaria os olhos a passear decidiu; o próximo aniversário haveria de despertar em casa, junto à mãe já velhinha, cercado de seus carinhos, ouvidos atentos àquela voz serena e embevecido pelo aroma de café fresco.

 
Que seu Natal se traduza em oportunidade para voltar os olhos (e o coração) às coisas simples onde a felicidade reside.
 
A. Masini

Escolho a beleza

Tenho olhos de que me orgulho
Não pela suposta beleza que dizem neles há
Mas pela real beleza, que com eles em tudo alcanço
Com esses olhos, Deus me deu também tal faculdade
De em tudo enxergar o belo

Por isso e com prazer sempre os levo a passear
Ora morro ora mar,
ora criança distraída brincando
ora moça distraída sorrindo

Quando nada disso no caminho encontrar
Só precisarei olhar para o céu,
qualquer pedacinho de céu
E ainda que oculto por grossas nuvens
A tempestade me vai encantar

Ou ainda, bastar-me-á a paciência  
Pois que chuva hora se vai
E se o sol já posto for,
Se não a própria lua,
alguma estrela há de brilhar

Sou feliz com os olhos que trago
Vez que onde quer que eu os pouse
beleza alguma sempre haverá
Mas se o dia quem sabe chegar
Quando meu olhar vier a falhar
Com esse coração que também Deus me deu
Belezas outras hei de com ele inventar


A. Masini

Vergar ou resistir?

A árvore jovem, flexível, provida de uma espécie de sabedoria pueril natural, se deixa vergar pela ventania. Suas fibras maleáveis a permitem voltar à postura altiva de antes quando os ventos que a castigam se vão. Já a árvore madura, de caule duro, inflexível, não cede aos ventos e os tenta suportar o açoite, não por coragem, mas porque já não pode mais vergar-se, está velha demais para isso. Maioria das vezes, mesmo contabilizando a perda de alguns galhos e folhas, suporta aos ventos sem maiores prejuízos. Mas, quando o vento é constante, o castigo recorrente, suas raízes se fragilizam, o tronco fibroso perde sustentação a árvore toda cede, vai ao chão, sucumbe aos caprichos do vendaval, tomba derrotada.

Leu novamente o mesmo trecho da crônica. Ponderou sobre cada uma das árvores. As imaginou, vergada e tombada cada qual à seu tempo e, como supostamente era da intenção do cronista, refletiu sobre sua própria idade e flexibilidade.
Largou o jornal e o copo com café sobre a mesa de madeira e saiu para o quintal. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo quando pisou descalço o ladrilho frio do lado de fora da casa.

Já era final de primavera mas, atipicamente, o frio continuava como se o inverno insistisse em perdurar até dezembro, o que oferecia ainda mais desconforto aos seus pensamentos.

Súbito, sentiu um inédito vazio opressivo no plexo solar. Havia se tornado a árvore madura; sobre os ombros, o peso de uma cangalha invisível fazia a vez da ventania e os joelhos cansados, prestes a dobrar, as raízes fragilizadas.

Voltou instintivamente o olhar para o céu que se apresentava lindo, azul e profundo; e talvez por isso mesmo fez-lhe os olhos marejarem.

Teria a vida o pressionado além de suas forças? Afligia-o pensar se desejava mesmo conhecer a resposta e o medo de um sim fazia latejar sua garganta.

Lembrou-se dos tempos de menino quando desconhecia medos, especialmente do vento, parceiro tão esperado nos meses de agosto quando as pipas coloriam o céu.

Seus ventos de hoje eram de outra ordem;  não erguiam pipas mas derrubavam ânimos, maculavam sonhos, arrefeciam desejos. Não se manifestavam em rajadas, mas por imposições, obrigações, convenções.

Não era exatamente o caso de ter se tornado um velho inflexível mas de ter aprendido a rigidez dos compromissos e responsabilidades; a tal cangalha invisível.

Voltou o olhar molhado aos pés gelados e concluindo que uma gripe só faria piorar seu estado geral, rumou para o interior da casa. Fechou a porta e as janelas, dobrou o jornal e acomodou-se aquecido no sofá macio.

Era dia de folga, melhor descansar a pensar. Amanhã haveria de erguer-se para mais um dia e, estar descansado certamente permitiria, não exatamente resistir impávido aos ventos, mas escolher quando, estrategicamente, vergar-se para não tombar.

No fundo e no raso o que nos faz sucumbir é o cansaço, cansaço em sentido amplo.

A. Masini
Sinto, observo, sigo

Manhã de quinta-feira. O céu é azul e há um sol sereno clareando o mundo quando chego à rua.
O senso comum me faz concluir, objetivamente, que o dia está lindo. Mas, subjetivamente, o que pensar, melhor, o que sentir desse dia?
Há  uma certa apatia modorrenta pairando no ar.
Percebo.
O sol me toca morno a pele e me agrada. Me agrada também o som da passarinhada empoleirada nas árvores, árvores que também cantam com o vento que há.
Observo.
O passeio foi forrado de folhas caídas das árvores onde florescem orquídeas lá postas por mãos que não conheço.
Sigo.
Alguns carros passam rápido levando pessoas solitárias, apressadas por chegar cada qual ao seu destino. Um outro estaciona, do interior desce um menininho fantasiado de super-homem fazendo pose de herói, mas quando tentar correr para dentro da escola, a mãe de um grito mostra quem manda.
No radinho de pilha do porteiro toca “Namoradinha de um amigo meu”, que embora jovem para saber o que é isso, ouve a música com olhar distante sugerindo compreender do que ela fala. Ou talvez fosse apenas ressaca, como a minha.
Uma senhorinha idosa com ar sofrido jaz sentada na calçada observando o mesmo mundo com seus próprios olhos por traz de óculos velhos. Parece solitária, de uma solidão nascida há muito, mas que o mesmo tempo que lhe marcou o rosto, também conformou.
Pisado na calçada, quase irreconhecível, o filhote de passarinho caído d’algum ninho; morto, não ouve o canto dos parentes de melhor sorte como também não conhecerá o vento, sustentáculo de suas asas jamais abertas.
Na padaria a moça bonita de pernas à mostra, alheia ao resto do mundo, digita frenética seu gadget enquanto seu café certamente esfria. Não vejo seus olhos, estão ocultos por óculos escuros, mas sua boca, de lábios constritos, indica alguma aflição.
Um casal discute baixinho. Ele dedo em riste, ela, olhos molhados. O pão meio comido à mesa indica outro pedaço, possivelmente entalando a garganta da moça chorosa.
Passa por mim uma princesa com espirito de corredora. A mãe corre atrás. Os heróis são menos charmosos, mas muito mais divertidos; mais necessários até, nesses tempos de vilões cujas máscaras não ocultam o rosto, mas o mau caráter.
Pobres princesinhas, pobres crianças, pobres senhorinhas sofridas de rostos marcado pelo tempo.
Sigo.
Um avião ruidoso me faz olhar para o céu, há agora algumas nuvens esgarçadas como roupa velha, puída. Não indicam chuva, apenas enfeitam o azul com fiapos brancos.
Agora são duas as senhorinhas sentadas na calçada. Não falam entre si, apenas olham ao redor como que esperando que a vida lhes sorria. Uma delas me nota, nota também meu olhar e em lugar do sorriso que imaginei carecia, o oferece com dentes gastos, mas é honesto e carinhoso. Antes ainda é caridoso, sensível ao olhar que trago, agora baixo, envergonhado.
Sigo.
O sol morno continua a me agradar, assim como os sons das folhas e pássaros.
Trago ainda a mesma sensação de apatia, mas agora identificada, não pairante, mas subjetiva.
Todavia, mais do que o saco de pães, carrego também um sorriso caridoso de presente.
O dia está subjetivamente lindo.

A. Masini
Ela fez do circo morada do seu amor no mesmo instante que seus olhos, ainda sorridentes, além da maquiagem, revelaram o menino que dava vida ao palhaço.



 
 
 
 
 
 
 
O amor pelas coisas é antes o amor por alguém. O ente é a referência primeira do ser.

A. Masini

Borboletas e cherry blossoms

De repente deu-se conta do quão frio era o ladrilho em que pisava.
Pela primeira vez, naquele último mês de inverno, percebeu-se sentindo frio.
A água do chuveiro também o era, assim como o dia ensolarado lá fora.
Observou da pequena janela...
o sabiá que encantava suas manhãs e seu silêncio também era frio.
As nuvens paradas no céu de frio azul, como que congeladas no tempo, eram elas também todas frias.
Lembrou-se de si mesmo noutros tempos, e suas memórias, de um salto, o levavam a frias noites nubladas sem luar ou estrelas.
Mirou o rosto por barbear no espelho frio do banheiro embaçado e estremeceu ao tocar com os dedos a água fria que vinha da torneira elétrica.
Deu uma olhada em seu próprio olhar e um tremor ainda maior o acometeu quando de seu olho não escorreu a fria lágrima lá enregelada.
Deu-se conta então, que aquele frio todo que no mundo via, era todo ele o seu próprio frio, há muito em si jacente.
Um subjetivo inverno glacial que a última florada das cerejeiras o tinha feito esquecer mas que agora, com o partir das flores carregadas pelo vento, voltava com todo seu rigor.
Recolhidas estão as borboletas, amuadas ante a tristeza desbotada daquela paisagem antes florida em que se alimentavam.

A. Masini
 

Cinco à mesa de inverno

- Ah, nada melhor que um bom vinho para aquecer
- Bem acompanhado né?
- Verdade, a companhia torna a ocasião mais prazerosa
- Mas... então, é  o vinho ou a companhia que aquece?
- A companhia.
- Nada a ver, é o vinho que faz o sangue correr diferente. É isso que aquece.
- Vocês são uns paus d’água. O que aquece é cobertor, moletom, edredom...
- Dããã... babacão, isso ai agasalha, estamos falando de aquecer.
- Micro ondas aquece.
- Cara, fica quieto e toma seu vinho. Micro ondas aquece bife, lasanha, estrogonofe...
- Tá com fome né bocão?
- Ai, vocês já perderam o foco. Estávamos falando de vinho e boa companhia.
- Não era bom vinho e companhia?
- Foda-se a literalidade.
- Pra mim tá implícito, só tomo bom vinho em boa companhia.
- Exceto a gente né?
- A gente o cacete, fale por você. Eu me considero ótima companhia.
- Todos nós somos boa companhia, especialmente se for para tomar vinho.
- Cerveja também né?
- É, cerveja também.
- E para um churrasco?
- Porra bocão, pede um X salada aí cara.
- Se fudê. Larga do meu pé porra.
- Passarinho, traz outra pizza aperitivo daquela querido?
- Retomando, o micro ondas, a bem da verdade...
- Bem da verdade o caralho. Pode parar com suas explicações seu nerd do cacete.
- Deixa o cara falar, eu curto aprender.
- Valeu.
- Aprendamos então sobre vinho porra. Li num livro...
- Ahhh, leu não vale. Quero aprender sobre vinho na prática.
- Então pratica aí, come essa azeitona e veja se harmoniza com esse cabernet.
- Harmoniza? Que viadagem é essa maninho?
- Harmoniza quer dizer combina entendeu?
- Tipo gravata azul com terno cinza?
- Se for carnaval fica perfeito.
- Você não é daltônico? Que entende de cor?
- Não identificar as cores não quer dizer que ele tenha mal gosto.
- Dá pra pedir outro vinho? Essa já era.
- Passarinho, vê a carta aí pra gente querido.
- Que carta doido?
- Puta que pariu, mas você é burro mesmo heim?
- Carta de vinhos anta.
- Ahhh, saquei.
- Fez um ace?
- Hã?
- Deixa pra lá.
- Posso falar do livro?
Uníssono – Nãããão.
- Vão se foder então.
Risos
- Olha a carta aí meninos
- Valeu Passarinho. O que vai ser?
- Por mim ficamos nesse mesmo, estava ótimo.
- Aprendeu isso no livro também?
- Não, com a gostosa da sua irmã.
- Bom, como a pizza é de mussa, acho legal um Malbec.
- Quê? Tá Louco?
- Eu gosto de Malbec
- Ah, eu provei e não curti não. Não gosto de perfume do Boticário.
- Que perfume ignorante? Estamos falando de vinho.
- Ahhh... Desculpa porra, eu não li o livro do nerd.
- Pede um Merlot vai. Merlozinho não dá erro.
- Pronto, falou o cheira rolha. Vai falar do “terroir” também?
- Deixa eu pedir?
- Tá, pede aí.
- Passarinho, querido, por favor, um merlozinho aqui pra gente?
- Olha só, não é que o antão tá aprendendo?
Passarinho: - Que rótulo prefere?
- Porra Passarinho, não me fode.
Risos abundantes.

A. Masini

O que realmente aquece, é a amizade, mas desde que estejamos todos bem agasalhados. Aqueça seu coração e ajude àqueles que estão lá fora.
Os longos caminhos se mostram e se desfazem à medida que os trilhamos
Os quilômetros fracionados em metros sucumbem diante de passos determinados
Ares e mares se tornam estradas para asas e velas que nos levam ao destino
E os fusos horários são menos do que ficção quando é o coração que aponta o rumo
Você está longe, mas se não me negar estender-me a mão, te alcanço, onde estiver, onde for, de onde chamar meu nome
Você só tem de se lembrar dele

A. Masini



Mais um abraço que me neguei

Depois de algum esforço, ou o que me pareceu até então como se esforço fosse, estacionei o carro em uma vaga relativamente apertada diante do mercado em meu bairro.
Fazia frio naquela tarde de domingo, silenciosa e alguma coisa húmida, de forma que as pessoas pareciam ter optado pelo recolhimento e aconchego de suas casas deixando as calçadas vazias de andantes e sons.
Respondendo a um comportamento automatizado desenvolvido em razão da pouca tranquilidade típica dos que vivem nas cidades violentas como a minha, cumpria o ritual de olhar para todos os lados antes de sair do veículo. Foi quando, do outro lado da rua, sentada no chão recostada em um muro, visualizei uma jovem senhora com uma menininha inquieta que brincava de sentar-se ora em seu colo, ora no chão e a cada “salto” que dava sobre as pernas daquela que julguei fosse sua mãe, sorria alto e graciosamente.
Me encolhi dentro do carro tentando me manter incógnito para continuar observando a pureza da brincadeira das duas. Digo das duas pois que a mãe também sorria serena a cada gargalhada da menininha. Foram esses sorrisos, de ambas, que mexeram tanto comigo.
Era nítida a condição de pobreza das duas que, embora bem agasalhadas, notava-se tratar de gente desvalida, gente carente de socorro e compaixão mas, que naquele momento destacado do tempo duro de suas vidas, dedicavam-se a sorrir juntas de forma amorosa e contagiante.
Não vejo muito bem à distância e entre mim e elas havia por volta de uns dez ou doze metros, isto é, metros suficientes para me impedir de ver com nitidez os traços do rosto da mãe, mas não o bastante para impedir de notar que entre um sorriso e outro seu semblante trazia uma sombra de tristeza que intuitivamente atribui a possíveis e naturais preocupações com o presente e futuro daquela menininha que a mãe olhava com tanta ternura.
Fiquei algum tempo refletindo sobre a pureza ingênua porém poderosa das brincadeiras da menina, que mesmo temporariamente, eram perfeitamente capazes de afastar o medo dos pensamentos de sua mãe.
Poderosa pureza que mesmo sob o frio daquela tarde as afastava da dureza de suas vidas, do desabrigo, da possível fome, da desvalia, da carência. Poderosa pureza que mais do que me comover me encheu os olhos de emoção e o coração do desejo de abraça-las; desejo que tive de sufocar, pois que na cidade onde vivo, manifestá-lo seria equivalente a assustá-las e privá-las de um momento de sonho, o que teria sido de uma crueldade absoluta por mais verdadeiro e carinhosos que fosse tal abraço. Considerando suas tantas privações acumuladas, tirar-lhes daquele momento de sonho fazendo-as olhar novamente apenas para o mundo real, seria como apagar também em mim a luz de toda aquela ingênua brincadeira entre mãe e filha. Noutras palavras, tive medo de que a violência da realidade fosse mais poderosa que a pureza e só me permiti abraçá-las em pensamento.
Nós das cidades violentas, quando presenteados com pueris belezas, nos recolhemos, temerosos que ficamos por maculá-las ou arranhá-las em sua delicadeza.


A. Masini
Noite de lançamento

Havia dias pairava na atmosfera uma mescla de ares de euforia; orgulho nacionalista, dever a cumprir, resgate da ética e alguma inevitável ansiedade.
Manifestações como há muito não se via tomavam conta das noites e ruas, ora desabrochando serenas como flores de maio, ora espocando lindas mas perigosas como os fogos de junho.
De toda forma, dentro de mim, gritava ávido por mudanças o garoto indignado que o tempo calou. Parecia que havia chegado o momento de fazer acontecer a limpeza há muito necessária e era nas ruas que a exigiríamos dos governantes. Todavia, naquela noite, uma urgência pessoal teria de vir antes.
Caminhei pelas mesmas ruas que na noite anterior o povo da cidade exercitou o ideal democrático de maneira encantadora. Não haviam protestos agendados para tal ocasião, mas a presença da polícia indicava que eles poderiam ocorrer.
Me preocupei um pouco, não por mim, mas por aquelas pessoas a quem iria a pouco encontrar, pessoas cuja segurança e bem estar me são preciosos.
Cheguei à galeria onde o encontro fora marcado e de pronto reconheci alguns rostos. Começava naquele mesmo instante surgir em mim os sorrisos que se tornariam incontáveis ao longo daquelas horas.
O recinto escolhido pela moça da livraria não podia ser mais bonito, pois que não eram apenas livros (livros jamais são apenas, até mesmo aqueles de que não gostamos), mas livros de artes. Música, escultura, pintura, moda, desenho, cinema, encanto. A tradução da visão humana no olho do artista.
E lá estava eu, coração aos pulos, cercado de livros e pessoas queridas que logo tomaram conta do local. Tantos rostos que tanto significam ao meu olhar, à minha alma e sonhos. Gente amiga que me veio abraçar, trocar palavras de afeto, compartilhar comigo sua generosidade, generosa amizade.
Amigos já de muito tempo em meio a amigos recentes, todos trazendo em comum o mesmo afeto que lá os levou. Não eram muitos, mas cada um e uma muito especial. Pessoas singulares que fizeram da minha noite uma noite igualmente singular, sem igual.
E, envolto por tanto afeto, não foram poucas as vezes que me perdia sem saber se sorria ou escrevia, vez que cada qual à quem se destinavam as palavras que escolhia, não merecia menos do que toda minha atenção, além de todo meu carinho e simpatia.
E assim se foi aquela noite em meio aos livros; repleta de sorrisos e abraços de amigos.

A. Masini
Grato, por todo carinho recebido nessa noite

12/06

O amor perfeito
Só germina
Se a gente
Não o mina

A. Masini

Do fogo em que queimamos


“...o fogo enrijece o que não consome.”
(Oscar Wilde)

E tantas foram as oportunidades em que ao fogo me expus, me entreguei...
Dele colhi todo calor e lume de sua chama,
Que ao arder viril em minha alma, fez também minha carne arder.
Minha pele também ardeu, no calor que acolhi,
Calor que sei, também em mim viveu.
Me senti feliz ao nele queimar,
mas que quando arrefeceu, arrefeci eu também.
Como purificada porcelana.

A. Masini







 


A menina vem, vai e volta

Anunciada por saltos altos e perfume de fruta
Graciosa e contente vem a menina
Traz no olhar encanto de sonhos
Um brilho de graça que espalha aonde vai
É quase fascínio vê-la passar
Generosa sorri, amiúde, e se vai

Por favor, não tem pressa menina, te peço
É tão bom te rever quando está
Um pouquinho a mais que demore
Mais feliz faz meu dia também
Me dirige um olhar, um sorriso quem sabe
Seu aceno gentil valeria meu dia
Um “olá” de sua boca faz da vida um jardim

Mas a menina se foi pois não pôde ficar
Aspergindo encantos perfumando caminhos
Fazendo a gente sorrir
Com seus sorrisos também suspirar
No seu caminhar se perder
Com seus sorrisos sonhar

De minha parte vou ficar por aqui
Que outro dia virá e é certa sua volta
Amanhã, depois ou semana que vem
Graciosa em seus saltos há de olhar para mim
Seu olhar e sorrisos que são festa infantil
Balão colorido, gritaria e bolo
Presente enfeitado com laço de fita
Na pele dourada sempre tão lisa,
Versão pessoal do que me é paraíso,
Ganha a luz outras cores que no mundo onde vivo,
Exceto em meus sonhos jamais conheci.

Vale a pena a espera por essa menina
De caminhar gracioso e encantos de fada
Seu perfume de flor e seus lábios carmim
Delicada em seus gestos sorriu para mim
Um seu aceno gentil valeria meu dia
Um “olá” de sua boca e a vida é jardim.

A. Masini
Mães e filhos

- Pai. Fala pra mãe que não é pra ela ir no jogo de queimada da minha irmã? Por favor pai, não deixa ela ir.

- Como assim Juninho?

- É pai, não quero que ela vá jogar queimada na escola com a Rosaninha.

- Mas que mazela é essa agora filho? No Dia dos Pais eu não fui jogar futebol na escola com você, seus amigos e os pais deles?

- Foi.

- Então querido. Agora é Dia das Mães e a escola faz a mesma homenagem às mães com o jogo de queimada de mães e filhas.

- Mas eu não quero que a minha mãe vá nesse.

- Está com ciúme da sua irmã né?

- Não é nada disso pai. Só não quero.

- Até onde me lembro, no ano passado você não criou caso. Ao contrário, me lembro de você torcendo pelo time delas e até ajudou a consolar sua irmã dizendo que nesse ano elas ganhariam.

- Ano passado eu tinha só sete anos, agora estou mais velho. Não deixa pai, por favor.

- Mas por que você está implicando com isso agora?

- Eu fico com vergonha.

- Que bobagem filho. É só um jogo. Perder ou ganhar faz parte da brincadeira.

- Mas os meninos ficam me enchendo o saco depois.

- Ah, então é isso. Você ficou bravo porque fizeram gozação.

- É.

- Bobagem querido, as outras mães eram tão ruins de queimada quanto a sua.

- A mãe não é ruim de queimada, ela joga até muito bem.

- Ah é? Então o que te incomoda?

- Me incomoda os meninos do quinto ano falando que minha mãe tem o sorriso mais bonito, o perfume mais cheiroso e as pernas mais gostosas.


A. Masini

Mães (e filhos)
Feliz "Dia das Mães",
Porque a beleza de vocês é de outra ordem.
Vai muito além do sorriso, do perfume ou das pernas
O terror dos medos que não conhecia
Enquanto ela cantarolando alguma coisa ininteligível pintava mais um de seus desenhos misteriosos (só sei do que se tratam seus desenhos depois que ela calmamente os explica), me comprazia com uma xicara de café sentado no sofá. Conjecturava sobre o quanto aqueles momentos de paz e pureza singelas me faziam bem para a alma quando ela, largando o lápis e interrompendo o canto, me olhou com aqueles enormes olhos castanhos e revelando um temor súbito, perguntou:
- Tio, e se eu pegar dengue?
Ela tem uma habilidade única de me pegar de surpresa e naquela oportunidade não foi diferente.
- Querida, se você pegar dengue, e gente vai ao médico, ele recomenda uns remedinhos e você fica boa.
Levantou do chão onde se encontrava sentadinha (ela gosta de pintar sentada em uma almofada e apoiando seus papéis na mesa de centro) e correu pro meu colo.
- Estou com medo tio.
Era comovente perceber o quanto ela realmente estava assustada.
- Meu anjo, por que está tão assustada?
- Eu ouvi na televisão tio, que no Mato Grosso, morreu uma criança com dengue “trágico”. Eu não quero morrer tio.
- Calma meu bem, você não vai morrer – ok, todos nós um dia vamos, mas é claro que não abordaria a questão do ponto de vista lógico àquela altura com uma menininha assustada de seis anos.
- Mas tio, a criança do Mato Grosso morreu, o moço da televisão falou.
- Meu anjo, é trágico sim que ainda morram pessoas de dengue.
- Isso mesmo tio, dengue “trágico”. – deduzi que ela se referia ao dengue hemorrágico mas deixei pra lá, não por preguiça de explicar, mas para não assustá-la ainda mais.
- Querida, não fique com tanto medo, isso deve ter acontecido em algum lugar distante. 
- Mas tio, o mosquito voa. Ele pode ir onde quiser. – Resposta merecida ante argumento tão vazio, mas eu realmente não sabia o que dizer para acalmá-la e me sentindo um estupido pensei no desperdício que é a morte de uma criança onde quer que ela ocorra. As crianças deveriam ser nosso bem maior, o centro de todos os cuidados de que somos capazes. 
- É verdade querida, os mosquitos voam, mas me deixa te contar uma coisa, senta aqui. – Coloquei-a no sofá e me ajoelhei à sua frente para poder olhar nos seus olhinhos assustados. – O mosquito da dengue...
- Dengue “trágico” tio.
- Isso, da dengue “trágico”, ele vive em lugares onde exista água parada, como um lago ou no mato.
- Mato Grosso?
- Não amor, Mato Grosso é o nome de um lugar, o mato que eu falei é o mato da floresta.
- Ahhh. Então no Mato Grosso tem floresta né tio?
- É, tem bastante mato por lá, muito pasto também.
- O que é pasto tio?
- É um lugar onde as vaquinhas ficam.
- Tio, o mosquito não morde a vaca?
- Acho que sim querida.
- E a vaca não fica doente?
- De dengue não.
- Que sorte da vaca né tio?
- É sim. E, que tal você desenhar uma vaca agora?
- Tá. Vou desenhar uma vaca com um monte de mosquito voando perto dela.
Percebi que ela continuava incomodada com a dengue, mas havia se acalmado e tão logo se debruçou novamente sobre seus papéis, sorri aliviado. Ela então me olhou séria e disse.
- Você tá rindo por que o Mato Grosso é longe ou porque você não tem medo do mosquito?
E pensando no quanto qualquer coisa que pudesse mesmo que remotamente ameaçar sua inocência e bem estar se tornara potencialmente aterrorizante pra mim, respondi de pronto:
- Porque o Mato Grosso é longe querida.
 
A. Masini

Ratos venais; quem dá mais?

Mercantilizamos a saúde, a educação, o amor. E de forma destorcida “aprendemos” a nos virar com isso tudo. Trabalhamos cada vez mais a fim de pagar por coisas, que embora desnecessárias, se apresentam cada vez mais caras.

Com isso nos afastamos da família, dos amigos e dos prazeres; nos divertimos cada vez menos por que mercantilizamos a vida.

Mas tenho ainda a romântica esperança de que um dia a gente consiga aprender que com isso também se é possível lidar nos bastando mudar a postura diante das modas, valorizar as pessoas, as oportunidades e as coisas atribuindo-lhes valores outros que não os econômicos. Os valores do sorriso, da ternura e da paz de espirito. O valor do simples, do sublime (adoro essa palavra).

O problema é que diariamente somos bombardeados (com efeito tão letal aos nossos sonhos como teriam bombas verdadeiras sobre nossos corpos) com informações que nos compelem a “ver” tudo isso com absoluta naturalidade (a melhor escolha de palavras seria por “não ver a realidade") apesar do cansaço e da solidão que sentimos sem entender.

Essa falta de compreensão em perspectiva nos faz fechar os olhos para tudo que pareça não influir diretamente no nosso dia-a-dia. Contas, trânsito, trabalho e honorários ocupam quase cem por cento do nosso pensamento de forma que o pano de fundo desse enredo veloz, o contexto politico social, se percebido, não raro é deixado pra lá, posto de lado ante urgências que nem precisavam ser nossas.

Esse cenário não seria de todo catastrófico se a política cuja importância negamos, fosse aquela altruísta, meritória e honrada dos gregos antigos, mas não é, porque a mercantilização chegou também à política, ou melhor (digo, pior) aos “políticos” (que Platão me perdoe a heresia de assim chamar tais pessoas) de hoje, contrariamente aos tempos de ARENA e MDB, quando direita era direita e esquerda, esquerda; tempos em que a escolha partidária representava convicções e valores ideológicos, não são mais os valores éticos que movem os “eleitos” e sim mesquinharias como segundos de televisão com vistas a cargos transformados em moeda de troca; um ministério, uma secretaria, um cargo menor qualquer nem que seja o de “churrasqueiro, puxa-saco ou amante oficial”.

O que se vê, com rotina diária, é uma série de articulações e conchavos sem qualquer objetivo voltado aos eleitores (nós, trabalhadores de sonhos tolhidos), muito antes, senão exclusivamente, voltados à manutenção da ligadura visceral de cada um deles a uma das tantas tetas da ratazana em que transformaram a politica.

A pluralidade de “partidos”, alguns declaradamente venais, não permite dúvida quanto à sanha por benesses pessoais de seus componentes. Gente nefasta e despudorada; prostituída na concepção mais rasteira que a palavra possa alcançar. Gente que não reconhece gente por não gostar de gente. Gente que foi além da mercantilização da vida, mercantilizou a alma própria e a vida alheia; as nossas vidas.

A. Masini
Quanto tempo demora um ano?
 
Já era manhã havia algum tempo mas como o dia se apresentava nublado e alguma coisa frio, considerei o silencio típico dos domingos, naquele especialmente acentuado, e me decidi por permanecer na cama deixando os pensamentos ir e vir sem compromisso entre um cochilo e outro. Foi quando me dei conta de que o interfone tocava.
O atendi com alguma má vontade, quem poderia ser àquela hora de um domingo frio?
- Oi tio Johnnie. Você pode me levar até a praça um pouquinho?
Era Maria Julia, a filha encantadora da Rosana, minha vizinha folgada. Me chamava de tio quando queria me agradar, um tipo de “tio adotivo” como ela mesma solenemente me intitulou na noite em que jantamos juntos uma gostosa pizza de pepperoni enquanto sua mãe tirava um cliente da cadeia. Minha “irmã postiça” além de folgada é também advogada.
- Oi princesa. Onde está sua mãe?
- Está no computador fazendo uma “pedição”. Disse que não pode parar agora. Mas eu quero mesmo é ir com você.
- Bom, é que eu ainda não tomei café...
- Ah, não tem problema, a gente toma na padaria.
Ela era de fato encantadoramente esperta. Como dizer não?
- Ok, te encontro lá embaixo em dez minutos tudo bem? Mas antes me deixa falar com sua mãe.
- Ela está acenando lá da sala dizendo que tudo bem, que com você eu posso ir.
O que era verdade. Realmente pude ouvir ao fundo a voz de Rosana dizendo “se o João Marcelo vai te levar pode ir, ah, e é petição, não ‘pedição’ o que estou redigindo”. Rosana seria uma mulher das mais interessantes, não fosse tão chata.
Nos encontramos na portaria do prédio e embora Maria Julia estivesse sorridente, notei alguma coisa diferente em seus olhinhos.
- Tudo bem com você princesinha?
- Tudo bem sim Johnnie.
Chegamos à praça e ela se acomodou no balanço da árvore.
- Esse balanço que você fez ficou mesmo muito bom.
- Que bom que gostou.
- Quanto tempo dura um ano Johnnie?
A pergunta repentina me pegou absolutamente despreparado.
- Como?
- É. Quanto tempo demora para passar um ano?
- Bom, se contarmos em meses são doze, se contarmos em dias, são trezentos e sessenta e cinco.
- Não Johnnie, não quero saber dos dias, quero saber do tempo. – E fez um gesto com os bracinhos como quem desenha dois círculos grandes à sua frente.
Eu não conseguia entender a profundidade da pergunta e fazer nem a menor ideia do quê responder começava a me desesperar.
- Você quer saber quanto tem de esperar até que um ano tenha passado?
- Não, isso eu sei, vou ter que esperar um ano. O que quero saber é quanto é isso, quanto tempo é um ano.
- Querida, o que vai acontecer daqui a um ano?
- O meu pai vai voltar.
Aquilo ficava cada vez pior.
- Voltar para sua casa?
- Não Johnnie, para o Brasil.
- Ele foi viajar?
- Isso, foi trabalhar num outro país. Acho que chama Europa.
- Entendi. E só volta daqui a um ano. É isso?
- Isso. Eu quero saber quanto tempo tenho de esperar ele voltar nesse um ano.
Naquele momento pude entender que seu coraçãozinho estava aflito e seu desejo em verdade era o de saber por quanto tempo sentiria o desconforto da ausência do pai, a solidão de não tê-lo em sua companhia.
Me lembrei de quando eu mesmo era um menino um pouco mais velho do que ela é agora e a saudade que senti da Esther, uma menina linda vizinha da tia Lucia e que foi morar na Espanha. Lembrei-me da saudade que senti da Selminha quando me vim embora para São Paulo sabedor de que jamais a veria de novo. Mas, sobre tudo, lembrei-me da saudade, ainda hoje dolorida, que sinto da minha avó, do Seu Túlio e da própria tia Lucia.
Como agora, influenciado por minhas próprias experiências, dimensionar a ausência ou quantificar a solidão em termos compreensíveis para uma menininha de seis anos? Como demonstrar com modelos ou comparações que aquele vazio da presença do pai, a que ela chamou de“tempo que demora para passar”, não é quantificável ou sequer compreensível exceto para que o sente; e que quem o sente o faz de forma tão particular que o outro, por mais empático que seja, não consegue sequer imaginar?
- Querida – me agachei para olha-la nos olhos à altura dela – hoje esse um ano é muito, muito tempo, porque ele está começando, mas a cada dia fica menos tempo, até que um dia você acorda e já esperou todo o tempo que precisava esperar e o ano já passou.
- Entendi. Mas e esse medo de ficar sozinha que eu tô sentindo aqui na minha barriga – levou as mãozinhas delicadas à barriga a apertando - eu vou continuar sentindo até o tempo todo passar?
Sempre tive comigo o compromisso de não mentir para uma criança. Para os adultos é diferente, são adultos e também costumam mentir, mas para crianças não, crianças são puras, até quando mentem, e eu não queria ser aquele que macularia os sonhos de Maria Julia. E naquele momento, embora me parecendo que o menos cruel fosse mentir sobre a duração do desconforto que ela sentia, ainda assim, preferi não fazê-lo.
- Maria Julia, esse medo vai diminuir junto com o tempo de esperar, a cada dia que você acordar, um pouco do tempo de esperar já passou e um pouco desse medo também foi embora. Mas, até que seu pai retorne, a saudade vai te acompanhar, em alguns dias mais forte, noutros dias mais fraquinha.
- É, mas todo dia vou sentir saudade né?
- É verdade, primeiro ela vai crescer, mas depois de um tempo ela fica mais calma.
- E depois ela some também?
- A saudade de pai, de mãe, de vó, a saudade de pessoas a quem amamos, essa nunca some. Só fica mais calma.
- Mas tem saudade que acaba?
- A que você vai sentir do seu pai vai acabar quando ele voltar.
- Isso eu sei, estava falando de saudade de quem não volta, uma pessoa que morre.
- Saudade é uma coisa estranha Maju. Às vezes ela desaparece por completo, mas isso só acontece quando a pessoa de quem sentíamos a saudade também desaparece da lembrança da gente. Não é a vida ou a morte da pessoa que não volta que faz a saudade sumir. A saudade some quando não lembramos mais da pessoa.
- Mas daí é porque a gente esqueceu, não porque a saudade desapareceu. Olha, rimou – riu.
Ri com ela, muito mais por tensão quando um pensamento horrível me tomou de assalto. E se acontecesse alguma coisa com seu pai e aquela menininha jamais voltasse a vê-lo? Naquele momento tive uma amostra do mesmo medo na barriga a quê ela há pouco se referia.
- Johnnie, eu não quero esquecer meu pai, mesmo que a saudade fique maior que essa árvore.
- Você não vai esquece-lo querida. Eu tenho certeza disso.
- Então, se a saudade ficar maior que essa árvore, você faz outro balaço pra gente pendurar nela?
- Na árvore?
- Não... na saudade. Assim ela fica uma saudade divertida e não uma saudade de chorar.
- Prometo.
 
A. Masini

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini