Julho chega em fim ao seu crepúsculo e, apesar das férias, acabou por se configurar em um mês difícil, de acumulação de perdas doloridas.
Não deveria reclamar; sou daqueles com alguma sorte, para quem a vida se mostrou mais generosa do que cruel, mas acho, em razão de como a tenho vivido até hoje, que algumas dificuldades foram difíceis de vencer e as dores por elas provocadas, sempre acrescidas de contornos de irreparabilidade, impediam sua mitigação por uma natural finitude senão por meio de sua integral sublimação e a forma por quê entendi melhor fazê-lo foi a de acrescer dignidade aos fatos de onde tais dores decorreram.
Em nossa cultura e educação a perda de uma pessoa querida é sempre tão mais traumática quão maior o bem querer de que fosse depositária, acredito que muito em razão do nosso apego, da nossa necessidade de mantê-las conosco (e sim, por egoísmo também pois que nos faz bem a companhia de quem amamos) e, por que não dizer o que é senso comum quando se trata da morte, também pela confirmação da irrecorribilidade ante a finitude da própria vida (que às vezes se esvai para alguns de nós mesmo sem ter-se chegado ao seu final, morremos em vida mesmo; mas isso é tema para outra oportunidade).
Em muito pouco tempo, nesses últimos meses, se foram do meu convívio pessoas importantes, as perdi para a vida (vida em sentido amplo compreendida como processo, inicio, meio e também o seu natural e inexorável fim) e, a exemplo daquelas perdas significativas (não como a perda dos botões das camisas ou da hora do trem), venho tentando me harmonizar com as minhas da maneira como entendo me seja possível.
O problema é que não faço o tipo racional, isto é, meu raciocínio não produz resultados confiáveis quando aplicado a temas de tal ordem. Restou-me então encontrar sentido sentindo integralmente os desdobramentos de tais perdas, o que me levou a intuir algumas deduções.
A perda de uma pessoa amada, no que diz respeito ao espaço deixado, jamais se esvai, vez que tal espaço nada pode preencher. Com o passar do tempo, variável em razão de uma série de fatores como o grau de envolvimento com a pessoa querida, sensibilidade e equilíbrio emocional de quem ficou, magnitude dos projetos eventualmente interrompidos etc., acomodamos o espaço em nossa alma mesmo que a tenhamos de ampliar quando a ela tivermos de acrescentar outras pessoas que encontrarmos no caminho, mas o espaço deixado por aquela que se foi, se torna parte de nossa alma eterna, reservado como um templo pessoal onde apenas nós e as lembranças do ausente são autorizados adentrar.
Penso que considerarmos essa questão seja importante para aprendermos que a dor da ausência pode ser minorada quando focamos a atenção nas boas lembranças, nos sorrisos, nos abraços, nas palavras de carinho, nos ensinamentos. Reviver os momentos alegres onde o afeto era profícuo simplesmente em razão do prazer de ser juntos é dos melhores analgésicos que provei. Nenhuma saudade dorida se perpetua ante a lembrança consistente de um sorriso sincero, aquele sorriso materializado na boca mas consubstanciado na alma, um sorriso em que os olhos de um e outro sorriem juntos. Nenhuma dor angustiante resiste à lembrança daquela palavra proferida despretensiosamente, dita de forma inconsequente até, mas predestinada a mudar nossa compreensão daquele momento, criando um marco em nossas vidas como se naquele exato instante o tempo se suspendesse e em seu retomar, uma nova vida se iniciasse, rica em novas possibilidades.
Também o aprendizado decorrente do convívio com a tal pessoa agora ausente, proporcionado pela troca honesta de ideias, pelas conversas construídas também através do olhar sem máscaras (como é típico do amor verdadeiro), é outro pilar seguro onde nos apoiar quando a dor da perda nos pesar além da força de nossos joelhos. O conhecimento construído (não me refiro ao conhecimento acadêmico, mas o vivencial) permanece em nós além da partida do outro; mais, torna-nos com o outro e o outro conosco. É comunhão essencial. Considerando que as nossas idéias são expressões do quê somos, aquilo que melhor nos define e nos diferencia de forma indelével dos demais, as idéias produzidas conjuntamente com a pessoa amada que partiu continuam perenes, isto é, a expressão que fazia daquele individuo uma pessoa singular está agora também comigo, formando o mosaico de experiências que sou. É mais do que simplesmente ter retido qualquer coisa da pessoa querida que perdemos, é saber e sentir que ela permanece conosco como elemento constitutivo do ser que somos.
Por sorte, não raro essas pessoas se vão nos deixando como herança um projeto idealizado conjuntamente. Uma viagem, um passeio, uma aventura. Levar adiante tal projeto como se a companhia dela ainda fosse possível, também é forma de honrar sua perda. Uma das que venho experimentando envolvia uma simples cerveja, e como foi prazerosa a que tomei sozinho como se juntos ainda estivéssemos. Um gesto singelo mas com tanta força subjetiva, tanto significado pessoal, que ainda me faz sentir o mesmo contentamento sempre que me lembro dele, e a saudade que aflora nesses momentos, traz consigo um sorriso largo e honesto.
É por esse conjunto de intuições que acredito, as pessoas só nos deixam de fato integralmente se nunca nos dispusemos verdadeira e conjuntamente (elas conosco, nós com elas) a estarmos em comunhão, como companheiros.
A. Masini
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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo