Depois
de algum esforço, ou o que me pareceu até então como se esforço fosse,
estacionei o carro em uma vaga relativamente apertada diante do mercado em meu
bairro.
Fazia
frio naquela tarde de domingo, silenciosa e alguma coisa húmida, de forma que
as pessoas pareciam ter optado pelo recolhimento e aconchego de suas casas
deixando as calçadas vazias de andantes e sons.
Respondendo
a um comportamento automatizado desenvolvido em razão da pouca tranquilidade
típica dos que vivem nas cidades violentas como a minha, cumpria o ritual de
olhar para todos os lados antes de sair do veículo. Foi quando, do outro lado
da rua, sentada no chão recostada em um muro, visualizei uma jovem senhora com
uma menininha inquieta que brincava de sentar-se ora em seu colo, ora no chão e
a cada “salto” que dava sobre as pernas daquela que julguei fosse sua mãe,
sorria alto e graciosamente.
Me
encolhi dentro do carro tentando me manter incógnito para continuar observando
a pureza da brincadeira das duas. Digo das duas pois que a mãe também sorria
serena a cada gargalhada da menininha. Foram esses sorrisos, de ambas, que
mexeram tanto comigo.
Era
nítida a condição de pobreza das duas que, embora bem agasalhadas, notava-se
tratar de gente desvalida, gente carente de socorro e compaixão mas, que
naquele momento destacado do tempo duro de suas vidas, dedicavam-se a sorrir
juntas de forma amorosa e contagiante.
Não
vejo muito bem à distância e entre mim e elas havia por volta de uns dez ou
doze metros, isto é, metros suficientes para me impedir de ver com nitidez os
traços do rosto da mãe, mas não o bastante para impedir de notar que entre um
sorriso e outro seu semblante trazia uma sombra de tristeza que intuitivamente
atribui a possíveis e naturais preocupações com o presente e futuro daquela
menininha que a mãe olhava com tanta ternura.
Fiquei
algum tempo refletindo sobre a pureza ingênua porém poderosa das brincadeiras
da menina, que mesmo temporariamente, eram perfeitamente capazes de afastar o
medo dos pensamentos de sua mãe.
Poderosa
pureza que mesmo sob o frio daquela tarde as afastava da dureza de suas vidas,
do desabrigo, da possível fome, da desvalia, da carência. Poderosa pureza que
mais do que me comover me encheu os olhos de emoção e o coração do desejo de
abraça-las; desejo que tive de sufocar, pois que na cidade onde vivo,
manifestá-lo seria equivalente a assustá-las e privá-las de um momento de
sonho, o que teria sido de uma crueldade absoluta por mais verdadeiro e
carinhosos que fosse tal abraço. Considerando suas tantas privações acumuladas,
tirar-lhes daquele momento de sonho fazendo-as olhar novamente apenas para o
mundo real, seria como apagar também em mim a luz de toda aquela ingênua
brincadeira entre mãe e filha. Noutras palavras, tive medo de que a violência
da realidade fosse mais poderosa que a pureza e só me permiti abraçá-las em
pensamento.
Nós
das cidades violentas, quando presenteados com pueris belezas, nos recolhemos,
temerosos que ficamos por maculá-las ou arranhá-las em sua delicadeza.
A.
Masini
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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo