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Bicicletas e milk shake

De repente, vendo fotografias que de desbotadas ocultam as formas dos rostos registrados, me peguei pensando no quanto aqueles momentos retratados iam distantes no tempo.
Me dei conta de que aquela meninice despreocupada, jacente congelada 
naqueles diapositivos amarelecidos, esquecidos em caixas empoeiradas, já quase escapava à minha memória opaca.
Aqueles dias de correr descalço na chuva, shortinho de malha e camiseta puída ficaram, como palavras já em desuso registradas em livros que ninguém mais lê, ocultos num tempo de que ninguém mais se lembra com clareza.
Aquelas noites vagarosas que viravam madrugadas em cujo silêncio minha mãe ouvia músicas baixinho para embalar seu sono naquela casa que não mais existe; naquela rua que deu lugar à avenida onde carros passam tão rápidos que as pessoas nem mais a pisam.
Naquelas fotos, precariamente seguras por minhas mãos enrugadas, trêmulas, estão sorrisos de que há muito não tenho sequer notícias, amigos que rumaram para lugares cujas distâncias nunca nos ocupamos de transpor, e de tanto tempo que se foram, me esqueci até de sentir saudades.
Me dei conta do quanto a vida me havia afastado dos sonhos que naquela época me faziam os olhos brilhar; uma bicicleta de rodas grandes, uma viajem à praia, um beijo da menina mais bonita da rua, o tal milk shake de quem eu só conhecia o nome, um nove em ciências para fazer meu pai sorrir.
Então de repente, olhando para aquele menininho que fui, uma lembrança triste aos olhos do homem que me tornei fez apiedar-me do garoto daqueles tempos e, sabendo que ele ainda passaria por aquele infortúnio, como que se de alguma forma ele pudesse, daqueles dias há tanto idos me ouvir, murmurei, “quando o medo chegar, tenha paciência menino, tudo vai se arranjar”.
Com um grito estridente de quem conserva pulmões imaculados, o menino respondeu de algum lugar da minha estória, “eu sei moço”.
Feliz por ouvi-lo novamente retruquei, “como pode saber se é ainda um menininho?”
E com um riso que encheu o quarto ele novamente gritou eufórico, “fui eu quem te trouxe até aqui moço”.
Sorri satisfeito, guardei as fotografias, peguei meu capacete e saí por aí a procura de um lugar para tomar um milk shake. 

A. Masini

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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini