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Maria Julia

Era cedo ainda, pouco além das nove horas de um domingo de primavera, calmo e muito claro, mas de calor ameno, tanto que resolvi descer para a piscina do condomínio e aproveitar um pouco daquela luz tão bonita. Embora goste demais do sol, não me relaciono muito bem com ele, acho que ainda não aprendi a respeitar sua força e ocasionalmente me machuco sob seu calor. Culpa absolutamente minha, vez que quando não nos damos conta do respeito que merecem as coisas grandiosas, invariavelmente nos machucamos. É assim com o sol e a vitima de insolação, o mar e o afogado, a paixão e o romântico.

Abdiquei do jornal por entender que suas noticias não combinariam com a beleza do dia, levei então um livro carinhosamente presenteado por uma amiga querida, Cartas a Théo. Confesso que mesmo sabendo em linhas gerais do que se tratava, me cativou a idéia aventada pela tal amiga de “um alguém que escreveria cartas a Deus (Théos)”, uma forma das mais lindas de se imaginar o conteúdo da obra assinada por Van Gogh.

Estava ainda me acomodando na espreguiçadeira quando me chamou a atenção o dialogo encantador de uma menininha com sua mãe. Esta querendo desembaraçar-lhe os cabelos, aquela, tentando dissuadi-la da idéia. – Não quero pentear porque dói – insistia a pequena. E que motivo poderia ser mais legítimo?

Naquele momento vagueou por ali uma borboleta amarela que calou a menininha despenteada e carregou consigo seu olhar até passar, com seu voo impreciso, diante de uma janela do terceiro andar. Ato contínuo a menina acenou vigorosamente a mãozinha com dedinhos enrugados; queria cumprimentar o menino que por trás do vidro de sua janela, a mesma diante da qual voou a borboleta, nos observava em silêncio.

- Coitado desse garoto, nunca desce, só fica de lá olhando as crianças brincarem aqui em baixo. - Disse-me minha vizinha, mãe da menina que àquele momento já havia parado de acenar e apenas olhava fixamente o rosto do garoto com a testa encostada na vidraça.

- Como assim? Ele não desce para brincar com as outras crianças?

- É sempre a mesma coisa, todo final de semana que estamos aqui ele permanece nos olhando da janela, chega a da pena.

- Mas, há algum motivo para ele não descer? Sabe se ele tem algum problema?

Dessa vez foi a menininha quem respondeu, sem porém tirar os olhos da janela:

- Ele não tem problema não moço. Ele só não quer deixar seu cavalo sozinho.

A resposta me surpreendeu. Do que, efetivamente, falava aquele miudinha despenteada?

- Cavalo meu anjo? Como assim? – perguntei tomado de curiosidade, porém intuindo o óbvio para um adulto desprovido de imaginação. Deveria tratar-se de um cavalo de brinquedo.

- É moço, ele fica no quarto dele fazendo companhia para o cavalo porque ele não pode descer, não cabe no elevador.

Olhei instintivamente para a mãe a procura de socorro, mas ela já se encontrava ao celular e limitou-se a sorrir.

- Querida, me diz uma coisa, se o cavalo não cabe no elevador, como o menino fez para leva-lo até o apartamento?

- O Zeca fica no quarto, não no apartamento.

- Ah, então o nome do cavalo é Zeca?

- Não moço, Zeca é o menino, o cavalo se chama Victor Hugo.

Embora confuso com a velocidade da garotinha, estava adorando aquela conversa insólita.

- A sim, igual ao poeta não é?

- Não moço, é Victor Hugo – disse-me ela enfatizando o “qui” de Victor – igual à bolsa.

- Bolsa? Ah sim, acho que já ouvi o nome da boca de alguma amiga. Mas me diz uma coisa meu anjo, vivendo no quarto do Zeca, o que come o Victor Hugo?

- Danone. É, ele adora Danone. Gosta muito de bala de goma e torresmo também.

Aquela criaturinha era a coisa mais fofa que havia naquele prédio, começava a me culpar por nunca antes ter conversado com ela.

- E o senhor moço, como se chama?

- Me chamo Johnnie, e você.

- Eu sou a Ariel, muito prazer.

Já estava prestes a elogiar seu nome quando a mãe, interrompendo a ligação em que se encontrava, chamou:

- Maria Julia, por que não diz seu nome de verdade ao moço?

- Porque o meu pai me disse para não falar com estranhos.

- Mas eu não sou estranho meu anjo, já disse, sou Johnnie. E moro aqui também.

- Moço, esse nome é o seu nome de filme, me diz seu nome de verdade que eu te digo o meu.

Só me coube rir depois de tal comentário, riso que interrompi tão logo notei que ela se aproximava e, vindo ao meu ouvido, me disse em tom de segredo.

- Moço, eu não gosto de Maria Julia, o senhor já viu alguma princesa com nome de Maria Julia?

Nesse momento sua mãe, desligando definitivamente o aparelho emendou:

- Maria Julia, seu pai está a caminho, vamos, você ainda tem de tomar banho.

- Agora preciso ir moço; vou te ver de novo?

- Espero que sim meu anjo, gostei muito da nossa conversa.

E ela, novamente vindo ao meu ouvido confessou.

- Moço, eu não sou um anjo, sou uma fada, uma com muita imaginação.

Sorriu um sorriso lindo, encantado como se é de imaginar sejam os sorrisos das fadas e se foi atrás da mãe por meio de graciosos saltinhos de bailarina.

J.S. (A. Masini)

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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini