Para ninguém era segredo ser um apaixonado pelas cores com que o céu se tingia à tarde, especialmente no outono; que se hipnotizava pelo brilho das luzes quando a noite caia sobre sua cidade; que se comprazia com as múltiplas formas que assumiam as copas das árvores e as nuvens. Qualquer que fosse do seu convívio ou mesmo apenas próximo sabia o quanto costumava se encantar com as crianças brincando e, de uma forma diferente, com algumas das moças que passavam por seu caminho. Era notório seu gosto por observar e a forma surpreendente com que costumava valorizava os detalhes de tudo o que via. Tudo que captava com seu olhar era motivo de reflexão e nada era desprezado.
Desde a infância tinha por habito deter-se diante dos jardins das praças a procura de coisas que aos olhos de outros passariam sem ser notadas, uma lagarta colorida, uma trilha de formigas carregando folhas cortadas maiores que elas mesmas, botões de flores ainda por abrir.
No último ano, porém, havia desenvolvido, de maneira próxima à compulsão, o habito de observar o horizonte. Sem qualquer motivo aparente, como que atendendo a um chamado, detinha-se com os olhos fixo n’algum ponto fugidio e ali permanecia, às vezes por horas, como que esperando vir de lá alguma coisa de importância única. Nesses momentos de abstração deixava transparecer com bastante nitidez o quanto seus olhos buscavam o inalcançável e, à medida que ia tomando consciência de que aquela forma perfeita ou seja lá o que esperava encontrar não se revelava, era a frustação que se estampava naquele par de olhos perdidos no tempo.
Toda aquela dedicação às buscas de seu olhar tomava muito do seu tempo, tanto que passou a negligenciar outras coisas importantes, como as leituras, os filmes, os trabalhos. Nem dos amigos fazia mais questão, dizia já não ter paciência para aquelas trivialidades que nada acresciam à sua vida e entregava-se cada vez mais às janelas, aos espaços vazios onde se avistasse o horizonte e lá permanecia, sem se mover, quase sem piscar. De repente suspirava, cerrava os olhos, dizia mudo qualquer coisa para si mesmo e afastava-se em silêncio.
Ficou assim, flertando com a catatonia por meses, sem que qualquer de seus próximos soubesse de seus motivos; quando lhe perguntavam esquivava-se dizendo que “descansava os olhos”. Assim passaram-se os dias, correram os meses e as pessoas foram se acostumando às suas ausências e ao distanciamento de seu olhar, até que dele passaram a guardar apenas lembrança e mesmo seu nome foi sendo esquecido.
Dia desses, porém, alguma coisa o despertou de seu sono hipnótico e seus olhos voltaram a mostrar acuidade e brilho. Já era visto observando as cores, as crianças, as nuvens e as moças; voltou até mesmo a sorrir. Ninguém sabe ao certo se o horizonte lhe mostrou o que tanto esperava enxergar ou se simplesmente fez as pazes com o que quer que o incomodava de maneira tão completa, mas era nítido que voltava, lenta, mas consistentemente à vida. Seja lá o que tenha ocorrido, encontro, desencontro, revelação, abdicação, foi muito bom perceber que aquele período difícil, de olhos velados por uma lâmina lacrimosa que insistia permanecer, como um navio que segue mar adentro, vai agora, no mesmo horizonte outrora tão perseguido, também desaparecendo.
(que o fardo de nossas almas jamais sejam pesados a ponto de nos congelar de joelhos)
A. Masini
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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo