Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

Carinho balsâmico

Já conhecia o Sebastião, “Tião para os de casa” como ele dizia; mas só tive o prazer de conhecer a Dona Sebastiana, sua mulher e dona da casinha mais graciosa em que já tive oportunidade de estar, em razão de uma queda de uma égua sem noção (meu orgulho de menino da cidade não permitiria reconhecer à época que o sem noção era eu mesmo).

Era ainda jovenzinho, dezesseis, dezessete anos e tipicamente tomado de paixão pelas aventuras daqueles tempos dos quais não sei dizer exatamente porque fui me lembrar agora  mas dos quais me sinto feliz por reviver.

Tião era caseiro em uma fazenda que costumava visitar durante as férias escolares e meu programa preferido era montar. Sentir a energia de um animal muito maior do que eu mesmo, uma força da natureza submetida aos comandos do meu corpo me fazia sentir especial e o ar puro que inflava meus pulmões naquelas oportunidades era como um reforço do Sopro Divino que deu vida a todos nós.

Obviamente que o mais prudente teria sido antes aprender, ao menos um pouco, sobre os riscos envolvidos a fim de tentar evita-los mas, por aqueles prazeres, especialmente em razão de minha imaturidade e completa inexperiência, me deixei levar despreocupado, credor de que tamanho bem estar jamais poderia me expor a qualquer perigo.

Naquela tarde sai pelo pasto apreciando o silêncio do entardecer, coração leve e alma livre, completamente distraído e confiante. Por sorte não estava trotando, exceto na alegria, essa sim galopava incontida dentro de mim quando, sem motivo aparente, a tal égua que em tantas vezes, dócil e submissa se permitiu por mim ser montada, assustou, me jogou ao chão e fugiu em disparada.

Me lembro de ter tentado levantar mas alguma coisa me mantinha no chão. Era o Tião, que antes mesmo de ter-me dado conta do ocorrido já estava lá, como um anjo da guarda me socorrendo.

- Calma menino, o tombo foi feio.

- De onde você veio Tião?

- Eu estava lá embaixo e vi quando a eguinha te jogou pra cima e foi embora correndo assustada. Fiquei preocupado quando percebi que você não se levantou, então vim ver o que houve.

- Eu nem te vi chegar.

- Você consegue se erguer?

- Sim, sem problemas. – Mas bastou tentar me levantar para senti que alguma coisa estava errada, não consegui me manter de pé e cai de joelhos.

- Senta mais um pouco menino, você bateu a cabeça.

Ficamos ali mais algum tempo, eu tentando entender e ele me amparando com um sorriso de quem sabia que tudo terminaria bem. Não sentia dor aqui ou ali, mas sim aqui e ali, sentia o corpo todo machucado, inclusive a segurança e a autoestima.

Quando consegui me erguer o sol já era posto e, amparado pelo Tião, fomos á sua casa onde Dona Sebastiana nos aguardava. Era tudo muito silencioso e eu me sentia com muito sono. Pedi ao Tião para me levar para a casa da fazenda onde costumava dormir mas eles se negaram e me fizeram deitar em sua cama.

Na manhã seguinte despertei com o sol adentrando as janelas, todas graciosamente enfeitas por cortininhas de chita delicadamente bordadas. A fronha e os lençóis tinham perfume de roupa recém lavada quarada ao sol e de algum lugar que imaginei fosse a cozinha, vinha um cheiro tão bom de café fresco com bolo quente que de pronto me pôs de pé.

O chão era de “vermelhão”, mas tão bem limpo e encerado que parecia um tipo de mármore rubro. As paredes todas impecavelmente brancas multiplicavam a luz que vinha das janelas e a atmosfera naquela casa traduzia paz e aconchego.

- Bom dia menino, já acordou?

Era Dona Sebastiana, uma senhora morena de feições muito bonitas e serenas, mas marcadas pela vida dura. Tinha uma voz delicada com sotaque honesto de gente sem maldade, gente de bom coração. Gente do campo que vive essencialmente do trabalho. Trabalho e serenidade que se refletiam em tudo naquela casa.

- Você está bem menino?

- Bom dia Dona Sebastiana, estou bem sim, um pouco sonado apenas.

- Vem, tem café.

Fui à pequena cozinha onde, acima da mesa de madeira polida, adornada por uma tolha com bordas de crochê, havia um bule de ágata com café fresco e um bolo ainda fumegando na assadeira.

Dona Sebastiana me serviu e ficou em pé me observando comer.

- Não vai se acomodar Dona Sebastiana?

- Já tomei meu café menino. Fique à vontade.

Agradeci e ficamos em silêncio.

O que houve depois são detalhes da hospitalidade, carinho e generosidade daquele casal que a vida, por meio de um acidente, me permitiu conhecer. Não que tais detalhes tenham sido menos significativos, mas o principal do que desejei abordar aqui já está descrito, o revés transformado em lembrança feliz por mãos verdadeiramente acolhedoras e honestamente amorosas. As mãos de um casal de bom coração, cujo gesto de oferecer sua acolhida singela a um menino machucado, foram mais marcantes que as cicatrizes do tombo. “O amor ajuda a cicatrizar as feridas, é um lenitivo para nossas angústias...”.

A. Masini

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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini