Se resolver usar meus textos para finalidades pessoais, por favor, tenha a delicadeza de citar a fonte.

“Cedinho”?

- Achei que vocês não fossem abrir hoje.

- Ô seu Johnnie, a padaria só abre as seis e meia.

- Agora eu sei – sorriu – Não queria ir para casa sem forrar o estômago. Não me faz bem dormir com fome.

- Imaginei, o senhor “tá virado” né? Nunca ví o senhor por aqui tão sedo.

- Dormi um pouco no carro enquanto esperava.

- O de sempre?

- Sim, mas com uma pequena variação, me traz o croissant de sempre, com bastante manteiga, um toddy batido e acrescente uma coxinha ou duas.

- Desculpa seu Johnnie, ainda não recebemos os salgados, a moça só traz lá pelas nove. Mas os sonhos estão fresquinhos.

- Huuumm, ótimo, então me traz um no lugar das coxinhas.

Acomodou-se no balcão e esperou com a paciência que a fome não lhe havia ainda carregado.

Ao receber o pedido insólito, abriu um sorriso de satisfação e com ar de quem ganha um presente, degustou dedicado seu café da manhã.

- Ô Correia, vê uma comanda aí querido? Já estou satisfeito, agora vou para o meu sono dos justos.

Enquanto o atendente preparava a comanda com sua conta, pode notar, pelo espelho acima do balcão, aquela moça linda, até então nunca vista antes, se aproximar e fazer seu pedido com voz firme.

- Bom dia Correia, você poderia, por gentileza, me servir um café preto duplo e um pãozinho na chapa?

- Pois não dona Linda, é pra já.

- Vou esperar na mesa ok?

- Sim senhora.

A moça era linda de fato. De uma beleza naturalmente descontraída. Usava um jeans puído de fabricação como se fosse surrado, uma camiseta básica azul clara e um tenisinho que não podia ser maior do que 35. Os cabelos de um loiro escuro mesclado, levemente despenteados, emolduravam de luz e sombra aquele rostinho delicado. Tinha cheiro de banho e um andar que harmonizava perfeitamente graça e segurança. Carrega um livro cujo título Johnnie não conseguiu enxergar.

- Correia, Correia, chega aqui meu querido. Quem é essa moça?

- A dona Linda?

- É, essa linda.

- O nome dela é Linda seu Johnnie.

- Maninho, ela é um encanto. Vem sempre aqui?

- Toma o café da manhã aqui.

- Caramba, como nunca a tinha visto?

- Seu Johnnie, quando o senhor toma seu café da manhã aqui, normalmente é depois do meio dia, ela vem sempre nesse horário.

Olhou o relógio na parede, sete e doze.

- Caralho Correia, sempre assim tão cedo?

Ficou por ali mais um pouco tentando observá-la com discrição. Pensou por um momento em levar-lhe o café que havia pedido mas, por sorte, já que sua lucides jazia comprometida, desistiu prontamente da ideia ridícula.

- Correia, Correia, chega aí irmãozinho, o que mais sabe dela?

- Quase nada seu Johnnie, só que é muito educada e gente fina. Trata a todos aqui da padaria com muita simpatia e nunca reclama de nada.

- Sabe se é casada?

- Não sei se é casada, às vezes traz a filhinha mas nunca a vi com o pai da menina.

- Você reparou no nome do livro que ela tem na mão?

- Não tenho certeza, acho que era Juízo Final, Juízo Mortal. Alguma coisa assim.

- Hã? Meu, ela não tem cara de quem leia um livro com um nome de Juízo Mortal. E o autor? Viu o nome do autor?

- Jean qualquer coisa, acho que Pivete. Jean Pivete. Será?

- Jean Pivete? Sei lá, nunca ouvi falar. Cacete Correia, de onde você tirou isso?

Sorriu conformado, despediu-se do atendente e foi-se embora sem pensar mais na moça.

Mais tarde quando acordou, já por volta das 13 horas, resolveu que faria algo diferente naquele dia. Foi ao depósito de materiais para construção, comprou alguns metros de corda de algodão, dois ganchos e um pedaço de madeira que pediu para furar. Na volta, pediu uma escada emprestada ao zelador, foi à praça que havia em frente ao condomínio e começou, enfim, a montar no galho de uma árvore, o balanço que há algum tempo havia prometido para sua amiga Maria Julia, uma menininha linda e criativa filha de sua vizinha.

A tal praça já contava com alguns brinquedos; balanços, gangorras, um gira-gira e uma casinha de bonecas feita de madeira, mas Maria Julia lhe havia pedido especificamente um balanço de árvore onde ela pudesse, segundo suas próprias palavras, sentir-se uma borboleta voando sobre a grama. Johnnie não resistiu e mesmo sendo absolutamente desprovido de habilidades manuais, prometeu à menininha que o faria.

Quando já estava no alto da escada pensando em como fixar a corda aos galhos mais resistentes, ouviu uma voz de menina o chamar.

- Moço, o senhor está caçando passarinhos?

Olhou para baixo e viu uma garotinha com roupa de Branca de Neve.

- Não dona Branca de Neve, estou tentando montar um balanço.

A menininha então sorriu e saiu correndo para um canto da praça fora de seu campo de visão.

Ficou curioso com a garotinha, mas voltou sua atenção ao projeto do balanço e, depois de algumas tentativas, erros e acertos, conseguiu finalizar o brinquedo. Testou-o como pode apoiando-se nas cordas e, concluindo que era suficientemente forte, procurou ao redor alguma criança que se dispusesse a estreá-lo. Encontrou a Branca de Neve.

Aproximou-se e, cumprimentando a moça que a acompanhava perguntou:

- Oi dona Branca de Neve, você gostaria de testar o balanço na árvore que acabei de montar?

- É seguro?

- Sim senhora, pode confiar.

- Posso ir tia Ma.

- Pode sim querida.

Agradeceu à moça e acompanhou a garotinha até sua obra.

- Você está linda com esse vestido, Branca de Neve.

- Obrigada moço do balanço, mas Linda mesmo é a minha mãe.

- Ah, tenho certeza de que é realmente muito bonita.

- O nome dela é Linda.

Olhou então a menininha com mais atenção e reconheceu a semelhança no rosto delicado emoldurado por cabelos despenteados.

- Que legal, então o nome dela é Linda?

- É sim. Ela é professora. Muito bom esse balanço moço. Ficou super divertido, a gente consegue ir mais longe e mais alto. Essa praça estava mesmo precisando de um brinquedo novo.

“Professora!” - disse admirado para si mesmo – “Correia, você é uma anta, Jean Pivete!”.

- Fico feliz que tenha gostado. Você vem sempre aqui?

- Todo sábado e domingo que minha mãe pode ela me traz. Hoje meu pai foi me visitar e ela pediu para minha tia me trazer. Tinha que conversar alguma coisa com ele que eu não podia ouvir, então a tia Ma me trouxe, mas quando eu contar para ela desse balanço novo que o senhor fez, aposto que ela vai querer ver.

- Que legal, então você e sua mãe vêm aqui amanhã? Hã, mais ou menos nesse horário?

- Não moço, cedinho né? Minha mãe só gosta de vir aqui de manhãzinha porque tem menos gente.

- “Cedinho”? Entendo – E fez uma careta que não passou despercebida ao olha esperto da menininha.

- Por que essa cara moço?

- É que amanhã vou ter de acordar bem “cedinho” lindinha, e parte da minha noite, vou passar acordado aprendendo o que puder sobre Jean Piaget.

J.S. (A. Masini)

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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo

Às vezes

Às Vezes


Às vezes,
minhas palavras não são capazes de traduzir com clareza tudo em que penso,
aquilo que sinto
e menos ainda o quê me vai na alma...
Às vezes,
meus pensamentos correm rápidos demais e não consigo acompanhá-los,
meu coração bate rápido demais,
como se desejasse fugir de dentro de mim,
ganhar independência, vida própria.
Às vezes, é minha alma que deseja correr,
partir para longe,
longe desse coração que sente e se ressente,
longe desse corpo que envelhece e se condói,
longe desses tantos pensamentos conflitantes,
longe dessas palavras que se perdem em enganos grosseiros
longe de tudo que macule o amor puro e branco
que minha alma tem pela vida.

A. Masini


Um mundo novo por detrás das palpebras

Um mundo novo por detrás das palpebras


Te enxergo tão bem quando de olhos fechados
que quando os abro,
nos efemeros instantes que ainda dura o lume do seu sorriso,
um mundo novo se descortina diante minha retina.
Nele, tudo é mais vivo
tudo é mais iluminado
tudo é mais colorido.
E minha vida,
a que ainda restou dentro de mim
me diz que esse bocado de existência,
sensivel apenas por suspiros
ou lágrimas fugidias desses mesmos olhos quando ha mais tempo abertos,
pode valer a pena
se o piscar dos meus olhos for mais lento, mais freguente
porque só quando os fecho
consigo observar o que há dentro de mim,
no centro do que sou.
Lá, você ainda permanece a mesma,
que um dia por mim também se apaixonou.

A. Masini


Apartados (antes mesmo de unidos)

Aparados



De onde vem esse seu poder de transformar meus dias? De reunir cada uma das nuvens escuras de chuva e fazê-las dissipar, para em seguida, surgir o sol, iluminando cada canto escuro de minha alma atormentada?

De onde vem esse encanto, que me faz depositar cada uma das minhas esperanças nos sonhos que seus sorrisos me promovem?

De onde vem esse sentimento que me invade os olhos, corre por minhas veias, toma meu corpo e se instala em festa em meu coração a cada oportunidade que tenho de te ver?

Que coro angelical é esse que canta pra mim sempre que te ouço?

Que mulher é você, que parece ter sido feita sob medida para meus abraços, beijos e carinhos?

Que vida afinal é essa, que apesar dessas tantas coisas que me põem na sua direção, ainda assim nos manteve apartados de tudo isso?



A. Masini