- Ô João, você não vem nadar com a gente?
- Não, obrigado, vou pra casa, minha tia fez macarronada.
- Deixa de ser bobo, a macarronada vai estar lá quando você voltar.
- A represa também estará lá amanhã.
Em particular – Tem certeza? As meninas vão, inclusive a Selminha.
- É, eu sei. Só que ela vai por causa do Roberto. Prefiro ir pra casa. Não quero ter de vê-la se jogando pra ele.
- Poxa, achei que você gostasse mesmo era daquela menina da cidade que foi embora pra França.
- Espanha. Não, a Ester é só minha amiga.
- Bom, se você prefere assim. Tomara que a macarronada esteja muito boa.
- Tomara.
E com passos indecisos João Marcelo tomou o rumo de casa. Embora fosse maio fazia bastante calor naqueles dias, de forma que ia pelo caminho imaginando o quanto poderia ser divertido ir à represa, especialmente se o Roberto não fosse. Ou ainda melhor, se não fosse ele o dono do coração da Selminha.
Imaginou-se adentrando a água fresca, a sensação do primeiro mergulho, a quietude do campo àquela hora da tarde enquanto boiasse olhando o céu claro. Considerou a possibilidade de tocar a pele molhada de Selminha durante as brincadeiras e depois, quando se acomodassem na prainha para se secarem ao sol, ajuda-la a pentear os cabelos molhados. Ficaria bem perto dela de forma que pudesse observar as delicadas pintinhas de seu rosto e quando ela falasse com ele, sentir o cheiro de fruta que vinha de sua boca. Se fosse ele o menino dos sonhos dela, poderiam ficar de mãos dadas e quando fossem embora para suas casas, levariam tanta saudade que a noite demoraria a virar dia novamente. É, seria perfeito.
Quando ia chegando em casa notou que o Sr. Getúlio se encontrava sentado em sua cadeira de balanço no alpendre da casa vizinha.
- Boa tarde “Seu” Túlio.
- Boa tarde. Como vai menino?
- Tudo bem. E o senhor?
- Hoje, depois do frio ter indo embora, estou bem. Mas me preocupa esse calor fora de época. A natureza está toda bagunçada.
- É o progresso “Seu” Túlio.
- Você está bem mesmo menino? Hoje é sexta-feira e com esse calorão você veio direto da escola pra casa?
- Pois é.
- A represa secou?
- Não. Não foi isso não – sorriu amarelo.
- Que houve então?
- Posso me sentar aí um pouquinho com o senhor?
- Claro menino. Desde quando você precisa me pedir para entrar em minha casa?
- Sabe o que é “Seu” Túlio, é que tem uma menina.
- É, sempre tem menino. Ela é bonita?
- Não é tão bonita, mas pra mim ela é linda.
Sorriu – Como é isso menino?
- Então “Seu” Túlio, ela é baixinha e magrinha. Tem bastante cabelo. Tem a pele bem lisinha, mas é pintadinha com umas sardas perto do nariz arrebitado. Tem um rostinho bem miúdo. As mãos dela são pequenas com unhas curtinhas. Quando ela ri me dá vontade de rir também.
- Ela é engraçada?
- É. Um pouco. Mas não é isso que me faz rir. Eu não sei dizer o que é “Seu” Túlio, acho que eu fico feliz perto dela.
- E ela não foi para a represa?
- Foi. Mas tem um garoto. O Roberto. Ela gosta dele.
- Como você sabe que é dele que ela gosta?
- Pelo jeito que ela sorri pra ele. Eu queria que ela sorrisse daquele jeito pra mim. Só pra mim.
- Você sempre quer a amora do galho mais alto né menino?
- Amora?
- Você não lembra mais do tombo da amoreira?
- Me lembro do tombo mas, foi por causa de uma amora?
- Você dizia que era “a única amora que você via na árvore”.
- Verdade “Seu” Túlio. Me lembrei. A amora que eu tinha medo do morcego comer né?
- Essa mesma menino. Todo dia você inventava uma coisa diferente para proteger sua amora do morcego, do gambá, do sanhaço.
- É verdade “Seu” Túlio. Nossa, agora que o senhor comentou eu estou lembrando. Eu quis tanto aquela amora, e ela acabou caindo da minha mão.
- Ela da sua mão e você da árvore. Se machucou todo por causa da frutinha e uns dias depois a amoreira ficou toda carregada.
- Verdade. E tem sido assim todos os anos. Chega a perder.
- Então, agora corre pra represa. Quem sabe você não encontra por lá, não uma amora fujona, mas uma sereia de água doce.
- Vou nada “Seu” Túlio, vou é pegar a macarronada com frango da tia Lucia. Essa pelo menos é de verdade. Vamos?
- Agradeço menino, mas já almocei.
E, voltando do portão da casa do amigo por onde já saia apressado - “Seu” Túlio, obrigado.
- De quê menino?
- Por me ajudar a curar os machucados.
A. Masini
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O aprendizado se dá por tentativa, erro e a correção do erro. No meu modo de ver, o erro é uma ferramenta de aprimoramento. Assim, te convido a deixar seu comentário. Abraço, Aldo